terça-feira, 10 de setembro de 2013

Por uma história menos maniqueísta

Imagine, leitor, o senhor entrando em uma livraria e se deparando com um livro, cujo título é “O Guia Politicamente Incorreta da História do Brasil”, ou outro chamado: “Guia Politicamente Incorreto da América Latina”. Os títulos chegam a causar algum impacto, mas, imagine ainda, saber que alguns fatos históricos aprendidos em sala aula ou tão disseminados na cultura popular, na verdade não são assim tão simples, como, por exemplo: Che Guevara era um assassino e que não gostava de roqueiros. Ou que os negros também escravizaram outros negros. Esse são alguns exemplos que o leitor dos livros citados acima encontrarão, cujo autor Leandro Narloch – e Duda Teixeira, no “Guia Politicamente Incorreto da América Latina – não tem medo da polêmica e tenta mostrar uma visão histórica um pouco diferente dessa de que há sempre vilões e mocinhos.

A História é sempre mais complexa, porque ao lidar com uma ciência de caráter social e humano, nunca haverá essa ladainha como em programas infantis: heróis de um lado, sempre vítimas e em buscar de acabar com o mal, e de outro, vilões à procura de acabar com suas vítimas. Tratar o Mundo como se fosse apenas preto e branco, bom ou ruim, não se aplica na História. Quando falamos de acontecimentos passados, falamos de ações humanas e quando se tratam delas, não é possível tratá-las com falso simplismo.

Na introdução do “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, o autor descreve esse processo maniqueísta: “Nessa estrutura simplista, o único aspecto que importa é o econômico: o passado vira um jogo de interesses e apenas isso.” Confundir o estudo e a visão complexa da história e deixar de lado o simplismo não é dizer que o estudo da História deve ser totalmente objetivo, pois a total objetividade é impossível tratando-se de seres humanos. O que esses dois livros querem passar é que a História deve ser estudada e analisada a fundo, buscando compreender pensamentos da época, o que de fato acontecia, e não ficar repetindo os mesmos e velhos chavões.

Ao tratar o passado dessa maneira, pode-se cometer o erro de achar que analisando os acontecimentos de maneira mais crítica, o que se faz é negar alguns fatos trágicos. O caso dos negros, por exemplo. Ao dizer que negros, ao conseguirem sua liberdade, também escravizados é uma heresia em tempos politicamente corretos, e, principalmente, negar que os negros sofreram com a escravidão. É claro que os negros sofreram com a escravidão e ninguém pode negar isso – o próprio livro não o nega. A questão é a de que os negros não foram somente vítimas, mas como fizeram parte da escravidão pelo lado dos senhores também. Em um dos trechos em que o autor trata sobre as mulheres escravas que conseguiam suas liberdades, ele diz: “[...] assim que conseguiam economizar para comprar alforria, o próximo passo de muitas negras era adquirir escravos para si própria.” Não é a negação de tudo, mas apenas mostrar que a escravidão não foi algo tão simples assim para explicado de forma simplista e maniqueísta: brancos – vilões – e negros – vítimas.

No caso dos índios, o mesmo aconteceu, já que algumas tribos ajudaram os portugueses a derrubar outras tribos inimigas ou também que que os próprios indíos devastavam as florestas, diferentemente daquela imagem pura e épica: “As tribos que habitavam a região da Mata Atlântica botavam o mato abaixo com facilidade, usando uma ferramenta muito eficaz.”  No caso dos índios da América Espanhola, alianças com os colonizadores e comemorações quando se derrotava um tribo ou um império, como os Astecas, eram comuns: “Boa parte dos povos andinos ficou aliviada com a execução [do imperador Atahualpa] e comemorou a queda dos incas”. Não que isso justifique a postura cruel dos espanhóis diante dos Incas ou de qualquer outro povo, mas a questão é a de que os índios nem foram tão vítimas, como também não foram vilões, e sim, foram agentes de sua própria história.

Outros dois grandes mitos retratatos são os de Che Guevara e Símon Bolívar, ambos retratados como grandes heróis da América. É verdade que os dois tiveram papéis decisivos na Revolução Cubana e na Guerra de Independência, respectivamente. Mas tratá-los como heróis implacáveis e como símbolos máximos de um continente já é um pouco de exagero, ainda que tenham sido grandes personalidades. O guerrilheiro argentino fuzinou mais do que centenas de pessoas em nome de um ideal – para alguns utopicos, mas pouco importa, matar por uma ideologia, por qualquer que seja, não deve servir de justificativa. Ele pregava tais atos como motor da revolução. Leandro Narloch e Duda Teixeira citam um discurso de Che: “O ódio como fator de luta, ódio intransigente ao inimigo, que para além das limitações naturais dos ser humano o converte em uma efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar. Nossos soldados têm de ser assim; um povo sem ódio não pode triunfar sobre o inimigo brutal.” O herói da juventude, também era contra a liberdade artística e contra a própria contracultura: “O novo governo logo limitou a liberdade artística e passou a perseguir hippies e roqueiros.

Simón Bolívar, tido como herói da independência, foi uma figura realmente importante para o que hoje conhecemos como América Latina, ajudando em sua libertação política. Porém ele defendia claramente uma ditadura, como ele mesmo disse: “Estou convencido do tutano dos meus ossos que a América só pode ser governada por um despotismo hábil.” Hoje tido com um ídolo da esquerda latino-americana, Bolívar era cultuado por ditadores intitulados de “direita”como Mussolini, que o descreveu como “herói honesto, empurrado por uma energia incontrolável e às vezes cruel, semelhante à que animava aos primeiros conquistadores, digna de sua própria linhagem.” O libertador tinha o mesmo pensamento fascista de 
Mussolini: “Se a minha morte contribuir para que acabem os partidos políticos e se consolide a União, eu baixarei tranquilo ao sepulcro.”


Portanto a história não pode ser tratada no velho maniqueísmo, mas deve interpretar e analisar profundamente os fatos e não ficar presa aos velhos chavões. Deve-se libertar das ideologias que pretendem apenas doutrinar e manipular, seja ela de cunho socialista, capitalista, e se focar nos fatos da maneira mais complexa possível. Também não precisa ser totalmente politicamente incorreta, mas sendo menos maniqueísta, já está de bom tamanho. 

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