Introdução – A economia de ação e a economia de
agregados: A Escola Austríaca e o “Mainstream”
Ação, tempo e conhecimento são
os três pilares fundamentais para a economia. É o que a Escola Austríaca de
Economia sustenta há mais de um século. Qualquer ideologia econômica que não
entenda que os agentes econômicos agem, em um determinado espaço de tempo e que
este último proporciona o conhecimento necessário para suas ações, está fadada ao fracasso.
Quase todas as idéias defendidas por essa
importante escola de pensamento econômico – além de outros ensaios – podem ser
encontradas no livro do professor Ubiratan Iorio “Ação, Tempo e Conhecimento: A
Escola Austríaca de Economia”1, lançado pelo Instituto Mises Brasil.
Ubiratan é um dos pioneiros e estudiosos da Escola Austríaca no Brasil.
“Economia e Liberdade” foi publicado em 1995 quando ainda os “o mosquito do
austro-libertarianismo”, para citar Walter Block, ainda não haviam picado parte
do brasileiros que estão empenhados em defender tais idéias – as de livre
mercado, principalmente.
Afirmar que os seres humanos agem não parece
ser uma afirmação extraordinária. Até para refutá-la é preciso fazer uma ação.
Mas com a economia quase matematizada, na qual agregados econômicos agem e
seres humanos são meras fórmulas matemáticas, dizer que seres eles agem parece
algo bizarro.
O “mainstream” acadêmico acredita no conceito
de equilíbrio econômico, o qual os Austríacos sempre mostraram que não há. Israel
Kirzner, um importante economia dessa escola, defende que os mercados tendem ao
equilíbrio sem jamais alcançá-lo. Diferentemente de Ludwig Lachmann defende que
os mercados não são processos que visam o equilíbrio Diferenças à parte, a
questão é a de que ao tratar a economia e seu agentes como meros agregados,
qualquer explicação desse tipo torna-se fracassada.
Núcleo Fundamental: Ação, tempo e
conhecimento
Como dito, ação,
tempo e conhecimento são o núcleo fundamental na teoria austríaca. A introdução
mostra que a ciência econômica é muita mais profunda do que se pensa:
“A tradição iniciada por Carl Menger em 1871 é um campo
vasto e fascinante do conhecimento humano, que transcende a economia, porque se
estende ao âmbito mais abrangente das ciências sociais, da filosofia e da
cultura humanista. Não foi por acaso que Hayek afirmou que um economista que só
enxerga dentro dos limites estritos da teoria econômica, por mais apurados que
sejam seus conhecimentos técnicos, nunca será um economista completo.”
A ação é fundamental para que
exista uma relação de trocas dentro da economia. Ação, como argumentava Mises,
é a maneira do indivíduo sair de uma situação menos para uma mais satisfatória.
Todas as trocas que ocorrem dentro da economia – de compra e venda – derivam da
ação humana. Para agir, o homem dispõe de meios, os quais são sempre escassos,
já que se não o fossem, não haveria, pois todos os indivíduos estariam sempre
satisfeitos.
A ação é um tipo de
eleição, pois os indivíduos devem escolher dentre os melhores (ou que gerem
menores custos) meios para satisfazer aquele fim. O homem precisa valorar, ou
seja, escolher entre os vários meios possíveis aqueles que o satisfaçam. Um
ganho ou benefício é a diferença entre o valor da nova situação em que o
indivíduo está em comparação com a anterior.
Já o tempo em sua
concepção dinâmica não é apenas um eixo horizontal ou em que possa ser divido
em segmentos sem qualquer relação entre si. O tempo é um fluxo permanente de
ações e de experiências, as quais vão aumentando com o decorrer do eixo. É um
processo de descobertas. Essa concepção é fundamental para entender o processo
de mercado.
Um empreendedor com o
decorrer do tempo adquire novar experiências acertando ou errado, ou seja,
desenvolvendo produtos bons ou ruins para os consumidores irá descobrir quais
os gostos e preferências destes, e poderá
produzir aquilo que a sociedade precisa e deseja. O mesmo ocorre com a vida pessoal.
Ao agir no tempo, adquire-se conhecimento e experiência que nos fará mudar ou
não o plano de nossas ações futuras.
Os seres humanos
não podem conhecer tudo. Nem o que nos cerca, muito menos o futuro. Se os
indivíduos pudessem conhecê-lo, muitos ganhariam na mega-sena. A não ser que
viajemos no futuro – segundo alguns físicos é possível – o nosso conhecimento é
limitado ao presente, o que portanto caracteriza a ação como algo imprevisível.
Não há certeza de que as ações serão bem sucedidas.
Continuando com o
exemplo do empreendedor, mesmo tendo conhecimento das preferências da
sociedade, ele não pode saber se o seu projeto de produto será bem-sucedido por
vários fatores: o mesmo ser ruim, o concorrente produzir algo melhor, ou mesmo
a empresa dele falir. Os desejos dos consumidores podem mudar com o decorrer do
tempo, também. O indivíduo ao agir terá de lidar com a incerteza.
Os três elementos
fundamentais da economia: ação, tempo e conhecimento estão ligados entre si,
combinando em uma síntese que pode ser expressa por uma frase do professor
Iorio: “Esse núcleo básico da EAE é tão importante que nos
permite definir a economia como ação humana
nos mercados ao longo do tempo sob condições de incerteza genuína.”
Os elementos de propagação: Utilidade Marginal,
Subjetivismo, Ordens Espontâneas
Dessa forma, a Escola Austríaca deixa de lado a
objetividade da matemática, para dar um enfoque maior à subjetividade dos indivíduos. Do foco no subjetivismo
surgiu a teoria de Utilidade Marginal, desenvolvido por Carl Menger. Ao mesmo
tempo, outros dois economistas Leon Walras e William Jevons também
desenvolveram essa idéia, mas tentanda dar objetividade a ela.
A teoria proposta por Menger respondeu um
antigo problema denominado “paradoxo do valor”: por que o ouro (ou diamante)
tem mais valor do que a água (ou o pão). Porque o ouro é mais escasso do que a
água, portanto na escala de preferências pessoais, o primeiro está acima e o
segundo está na área marginal da escala. Quanto mais unidades na escala de
preferências, menor o valor da unidade marginal e vice-versa.
Agora nem sempre essa preferência está ligada à
escassez, mas é uma combinação entre “raritas
(escassez), virtuositas (valor de
uso), complacibilitas
(desejabilidade)”. Alguém pode demorar vinte anos para fazer uma grande obra de
arte, mas se não tiver utilidade para ninguém, o valor dessa obra será nulo. O
livro do professor Iorio tem um grande valor de uso, portanto sua unidade está
em um grau muito alto na escala de preferências. Ou também, a desejabilidade é
importante para constituição do valor: “Garrafas
de vinho quebradas são escassas em bairros limpos, mas nem por isso valem
alguma coisa”, como bem demonstrado nesse exemplo do professor, nem sempre
o que é escasso tem valor, mas é preciso ser desejável.
As ordens espontâneas na economia mostram como
essa é uma ciência mais voltada para o estudo da sociedade e das ações humanas
do que para agregados. Assim como é impossível conhecer o futuro, não se sabe
qual será o rumo que a sociedade irá tomar. No início do século passado seria
impossível alguém acreditar de que seria possível ter acesso às informações sem
sair do conforto de nossa casa. Nenhum indivíduo pode mudar a sociedade sozinho,
mas é preciso uma combinação de ações que permitam essas mudanças ou os
próprios rumos da sociedade.
Por isso é impossível que planejadores centrais
e burocratas possam controlar de fato a
economia, pois são muitas ações ao mesmo tempo, são diferentes preferências
para fazer qualquer tipo de controle. A sociedade e a economia se constroem e
não são construídas.
Um exemplo clássico é o da moeda. Segundo
Menger, ela é uma construção social. Em um determinado tempo as pessoas foram
vendo que a melhor moeda era aquele que possuía maior valor – durante séculos
foi o ouro. A partir do momento em que tentou-se implementar um planejamento da
moeda impondo o papel-moeda, o poder de compra da moeda
tornou-se constante.
Os elementos de propagação da ação, tempo e
conhecimento na economia são a utilidade marginal, subjetivismo e as ordens
espontâneas. Ao resolver o paradoxo de valor, Menger derrubou também o
princípio valor-trabalho que vinha sendo usado pelos liberais clássicos. Ao
defender a sociedade como uma ordem espontânea, a Escola Austríaca derrubou o
mito de que a sociedade pode ser planejada. Que ela possa ser construida por
algum ditador.
A Teoria Austríaca de Ciclos
Econômicos
Os problemas econômicos acontecem quando há um
Banco Central monopolista – é um claro exemplo de pleonasmo, pois o Banco
Central é a única instituição que pode criar moeda. Os bancos podem criar moeda
virtual. Criando moeda do nada, há uma diminuição nos juros reais, pois com
mais dinheiro os bancos podem emprestar mais, aumentando o crédito em
circulação. Em um regime de mercado normal, os juros cairiam naturalmente, caso
houvesse um aumento na poupança.
Quando os juros caem em
decorrência da expansão monetária e do crédito, acontece o mesmo que
aconteceria em um sistema livre: os empresário começam a investir mais nos
estágios mais afastados do consumo. A produção torna-se indireta. A renda
nesses setores irá aumentar, e como não houve nenhuma poupança prévia, as
pessoas irão gastar em mais bens de consumo. Haverá, portanto, uma reversão e
uma guerra entre as indústrias de bens de consumo e as de ordem superior para
dispor dos bens de capital. Com uma maior demanda, o preços desses bens de
capital irão aumentar, assim como a taxa de juros.
Nesse momento, os projetos que
haviam se tornado lucrativos, graças às taxas de juros mais baixas,
mostrar-se-ão insustentáveis, pois não havia recursos para esses
empreendimentos. Ou seja, a queda nos juros, devido à expansão de crédito criar
uma miragem, que possibilitava projetos de longo prazo, mas, ao contrário do
que os empresários pensavam, as pessoas continuavam consumindo e não
poupando. Com o aumento da renda, a
economia cresceu, porém quando os projetos que geravam essa alta na renda
mostram-se maus investimentos, a economia quebra. Desemprego , cancelamento de
compras entram em cena. O professor Iorio resume toda essa ilusão:
“Tudo se passa como se alguém começasse a construir um enorme edifício
e, já com a obra em pleno andamento, viesse a descobrir, tarde demais, que os
fundos de que dispunha não eram suficientes para levar o projeto até o
fim. Moeda não é poupança! O máximo que uma expansão monetária pode conseguir
é fantasiar-se de poupança durante algum tempo, durante o qual conseguirá
iludir os agentes econômicos.”
Função empresarial e sua importância
O mercado, como visto, é um processo de ação no
tempo sob incerteza genuína. Ao agir dentro de um mercado, consumidores em
potencial escolhem aquelas empresas que as melhor os servem. É a democracia do
consumidor. Com o sistema de lucros e prejuízo é possível ver quais empresas
foram escolhidas e quais foram “rejeitadas”. Isso ocorre através dos processos
de trocas que ocorrem dentro da economia e que derivam da própria ação humana, como
já demonstrado.
A função do empreendedor é justamente ver
oportunidade de lucros no mercado, ou seja, ao observar as ações, o empreendedor
vê qual a melhor maneira de servir aos consumidores. O desenvolvimento da
tecnologia é um claro exemplo de como os empreendedores agem para aumentar o
conforto da população.
“A função empresarial, definida mais
precisamente, nada é mais do que aquele atributo individual de perceber as
possibilidades lucros ou ganhos eventualmente existentes.”
João deseja montar uma oficina mecânica, porém
ele não dispõe de um meio, no caso um terreno. Maria, a qual herdou um terreno
baldio, que só lhe dá despesas, gostaria de vendê-lo. Ela, porém não sabe que
João precisa desse meio. Há uma descoordenação. José, um hábil empreendedor,
sabe que Maria tem o meio que João necessita. Ele compra o terreno por 80.000 e
revende por 100.000. José tem um lucro de 20.000, Maria se livra das despesas e
com esse dinheiro poderá realizar seus fins, e João que poderá abrir sua
oficina. A ação empresarial é a de coordenar as ações na sociedade. O
empresário é aquele que consegue vislumbrar lucros e através de suas ações gerar
uma coordenação social.
Portanto, também podem anexar à função
empresarial na clássica simbiose entre tempo, ação e conhecimento. A função
empresarial é uma ação, pois visa empreender em busca de lucro, em um determinado
tempo, adquirindo sob a incerteza de que se seu empreendimento será bom ou
ruim.
O Intervencionismo do Estado na economia e na
sociedade
Definidos todos esses conceitos e outros mais,
que podem ser vistos no livro (Vale repetir, não dá para resumir em uma resenha
ou artigo todos os conceitos da Escola Austríaca) pode-se perceber que elas são
avessas à teoria intervencionista, que vista planejar e intervir na sociedade
e, pois, suas ações. Quando o Estado detém o poder de controlar a economia, ele
também passa a controlar as liberdade individuais também. A célebre frase de Hilaire Belloc de que "O controle da
produção da riqueza é o controle da própria existência humana” resume os danos
econômicos e sociais do intervencionismo.
Quando
o Estado decide controlar os preços, ele ao invés de melhorar a situação –
geralmente quando há inflação – acaba por piorar. Um exemplo é o de controle do
preço de leite. Quando o preço deste está muito alto, inibindo os mais pobres
de consumi-lo , o Estado decidi impor um preço máximo, as empresas que fabricam
leites terão de diminuir seus custos, que estavam altos, por isso o preço alto
de antigamente, agora produzirão menos, o que, portanto, faxendo com que haja
escassez e apenas aqueles que chegarem primeiro ao supermercado ou à padaria
terão acesso ao produto. Por mais boas intenções – e como diria o ditado, disso“o
inferno está cheio”- o Estado agravou a situação.
O
Estado não deve intervir na economia, segundo os austríacos, pois o mercado ao
se deparar com uma situação dessas tentará da melhor forma resolver a situação.
Mas é bom deixar claro que o mercado não é uma instituição perfeita e que tudo
sabe. Ela apenas tenta resolver os conflitos econômicos da melhor forma.
Para
alguns austríacos, a função do governo é prover segurança, saúde e educação.
Outros mais “radicais”defendem a total abolição dessa instituição. Algo que
gera muito debate, algumas vezes saudável, outras nem tanto. Mas o que todos
dentro da Escola Austríaca concordam é que o Estado não deve intervir na
economia e na liberdade individual.
Conclusão
O livro “Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola
Austríaca de Economia” é uma ótima análise de todos – ou quase – componentes
que formam o pensamento da desconhecida Escola Austríaca, a qual é bastante
antiga e a que mais demonstrou conhecimento sobre a realidade econômica. Ela
funciona. It`s works.
Ao apresentar o pensamento austríaco, o
professor Iorio nos faz pensar sobre nosso atual sistema econômico
intervencionista e sobre como a liberdade é um bem precioso. Enquanto o Estado
for esse elefante na economia, crises, inflação e miséria – uma das causas está
nas próprias intervenções do governo – serão constantes.