segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O triunfo do capitalismo de Estado no Brasil


           O atual sistema econômico brasileiro pode ser caracterizado como capitalismo de Estado, em que por mais que haja elementos capitalistas nas relações econômicas, como a garantia da propriedade privada e as privatizações feitas durante a década de 90 e que ainda continuam, ainda não pode ser caracterizado como capitalismo de fato. Este como idealizado por liberais como Mises, Hayek, Friedman, Rothbard ou ainda Roberto Campos requer um Estado reduzido, cuja principal função é a de proteger a propriedade privada e, através da justiça, fazer com que os contratos sejam respeitados.
            Porém, o Estado brasileiro vai além desses limites institucionais e tem tido um papel interventor na economia relevante. A bandeira ideológica do governo atual é a do desenvolvimentismo, em que o Estado deve fazer de tudo para desenvolver a economia. Para isto, as intervenções são necessárias. Dentre estas, protecionismo é uma das ferramentas importantes. Pensam, os desenvolvimentistas que para determinados setores crescerem internamente é necessário impedir a concorrência externa. Nos dias atuais, o “inimigo”são os produtos baratos chineses.
            Outras intervenções, como redução na tarifa da energia elétrica são medidas intervencionistas, pois porcuram através de decretos manipular os preços. Atuações fortes para manipular outras variáveis como juros e câmbio também deixariam os defensores do capitalismo desapontados.
            A burocracia estatal, necessária para o aparelho do Estado funcionar, é algo assustador. Demora-se muito tempo para conseguir abrir uma empresa e uma eternidade para fechar. As regulamentações chegam, até mesmo para alguém que não concorda com o capitalismo, a ser um absurdo. A carga tributária brasileira também é altíssima, sem que os serviços apresentem qualidade.
            O capitalismo de Estado brasileiro pode ser descrito dessa maneira, mas ainda existe um componente fundamental: os empresários, ao invés de produzir para os consumidores, preferem se aliar e fazer negócios com o Estado. O caso do Banco Rural que se deixou participar no mensalão para obter vantagens na esfera federal não é uma exceção. Empresas procuram o caminho mais rápido para o enriquecimento: os projetos governamentais. Sem dúvida, o economista Ludwig von Mises não apoiaria esse tipo de empresário.
            Longe de discutir se o capitalismo de Estado é bom ou ruim, é preciso entender, porque o capitalismo no Brasil não atinge a sua forma de fato. Existiu e ainda existe todo um aparato histórico e cultural que impede o florescimento do capitalismo de fato, mesclando questões anteriores à colonização brasileira e aspectos da mentalidade brasileira.
            Desde a Revolução de Avis (1373-1375), o Estado português se centralizou de maneira efetiva. O grande comandante da economia era o rei. O comércio ultra marítimo não pode ser entendido como algo separado do patrimonialismo. O comércio estava intimamente ligado com monopólios concedidos pela Coroa. Somente os amigos do rei podiam participar. Foi esse sistema patrimonialista que permitiu o comércio além do mar e, posteriormente, a própria colonização. A simbiose entre Estado e burgueses permitiu a estes obter lucros fabulosos e a acumulação de capital, tão fundamentais ao capitalismo.
            O Brasil sendo apenas um complemento da metrópole incorporou esse sistema patrimonialista, em que o Estado comando a tudo e todos. A concessão de terra para produção colonial foi feito nesse mesmo esquema de monopólio real. Poderiam produzir na nova colônia somente aqueles a quem o rei concedesse terras e o direito de produção. Mesmo após a independência, o patrimonialismo, um Estado forte e centralizado continuou sendo a regra. Nesse sentido, o brasileiro acostumou-se a esperar tudo do Estado.
            É nesse Estado patrimonialista que se encaixa o capitalismo politicamente orientado: o governo deve comandar a todos e deve ser a força motriz da economia, seja através de investimentos ou da simbiose com a burguesia. Esta consegue obter lucros maiores e de maneira mais segura do que se fosse deixada às forças de mercado, em que o fundamental é agradar os consumidores. Além do mais, o Estado decide quais setores devem receber maiores atenções e os que devem menos.
            O patrimonialismo brasileiro atingiu um de seus ápices com Getúlio Vargas. O Estado foi a força motriz do desenvolvimento através do investimentos diretos e ajudando setores nacionais contra a concorrência externa. Alguns componentes da época varguista ainda estão presentes na economia brasileiro do século XXI.
            As raízes do Estado forte e centralizado, que comanda a economia  foram expostas por Raymundo Faoro em os “Os Donos do poder.”O sistema que se iniciou com a Revolução de Avis, em que o rei passou comandar a economia, seja investindo ou concedendo monopólios comerciais, que foi imposto por Portugal ao Brasil sobrevive fortemente. Aqueles que possuem contatos com o governo conseguem enriquecer. Aqueles que não, sofrem com as imposições estatais, como as regulamentação e as políticas que favorecem determinados setores. O caso do protecionismo é claro: o governo decide quais setores devem receber o “privilégio” de não concorrer externamente.  
            Porém, analisar o capitalismo de Estado somente por suas raízes históricas é pouco, porque sistemas por mais históricos podem ser derrubados. Por que o patrimonialismo ainda não foi derrubado, ainda? É nesse sentido que entra a mentalidade e a cultura. Afinal, estas podem ser barreiras importantes para derrubar ou construir um novo sistema. O brilhante artigo do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, denominado “Doença existencial e fracasso econômico social(1)”, é salutar para entender o triunfo e a manutença do capitalismo de Estado no Brasil.
            A primeira análise a ser feita é a de que a vida requer escolhas e decisões para situações complexas. Caso seja bem-sucedido, o indivíduo obtém felicidade, já em caso de fracasso, infortúnio. A economia é uma das importantes maneiras de obtenção de sucesso e fracasso, portanto, felicidade e infortúnio. “É evidente que a conduta econômica do povo em exame está integrada nesse mapeamento geral.”, escreveu Olavo de Carvalho.
            Portanto, fundamental é analisar quais foram os padrões de felicidade do povo brasileiro. Olavo demonstra que desde o período colonial, os ocupantes do território poucos procuravam por grandes empreendimentos, enquanto a imensa maioria limitava-se a procurar segurança à sombra desses empreendedores. No período colonial, a burocracia torna a vida mais segura e fácil para “uma população tímida que não buscava senão proteção e segurança.”
            Olavo ainda faz uma comparação entre o povo norte-americano, que corajosamente e de maneira ambiciosa procurou se espalhar pelo continente, enquanto no Brasil, apenas alguns poucos desbravadores tentavam ocupar um imenso território, enquanto a maioria se contentava em ficar em estreitas faixas litorâneas.
            A falta de ambição, o medo de fracassar, fizeram com que o Capitalismo de estado florescesse. O estadismo é, portanto, expressão desse conceito de felicidade, em que mais importante do que a ambição e a vitória ou fracasso é a segurança. Nesse tipo de mentalidade, qualquer pessoa ambiciosa, corajosa é vista como expressão de banditismo, marginalidade. A ousadia é vista como algo anormal.
            Toda essa falta de ambição e a procura por segurança e proteção só fez com que o patrimonialismo fosse mantido e, dessa forma, triunfasse. Esperar que o Estado proteja o seu povo só faz com que seus poderes aumentem demasiadamente até chegar o momento em que o poder estatal começará a proibir alimentos, remédios, porque fazem mal à população. Uma população que espera tudo do Estado parece mais com uma sociedade de crianças que desejam que os pais façam tudo por elas.  
            A simbiose entre empresários e o Estado nada mais é do que essa mentalidade de buscar segurança. É muito mais fácil para um empresário ganhar dinheiro fazendo negócios com o governo ou obtendo vantagens com este do que se arriscar e investir em novos produtos para agradar os consumidores, pois para fazê-lo é necessário ambições e coragem, já que se pode fracassar como vencer.  
            O capitalismo de Estado só pode triunfar em uma sociedade com esse tipo de mentalidade, em que as únicas ambições são por segurança e proteção, delega-se poder ao Estado para controlar a economia, pois essa é a maneira mais segura de gerir o sistema econômico, do que no capitalismo de fato, em que a condição necessária é de que a sociedade seja ambiciosa e procure, mais do que segurança, obter sucesso através de empreendimentos arriscados. Sem essa mentalidade de grandes ambições, o capitalismo de fato não pode florescer.  
            Falar sobre essa mentalidade não quer dizer que as mais ambiciosas sejam melhores do que as que buscam proteção e segurança. Isso é outro debate. O que se deseja mostrar é que o capitalismo politicamente orientado só consegue triunfar nesse ambiente cultural, enquanto o capitalismo de fato necessita de outros fatores culturais para florescer.
            Seja através da história e dos componentes culturais, o Brasil conseguiu através dos séculos manter a mesma estrutura imposta por Portugal. O Estado centralizado, que comanda a economia e  que impede o florescimento de indivíduos corajosos, que se iniciou em Avis, ainda não foi abandonado. A mentalidade foi o fator decisivo que tornou possível o triunfo desse sistema no Brasil.

 (1) - Link para o artigo completo: http://www.olavodecarvalho.org/textos/2005doencaexistencial.html
            

Nenhum comentário:

Postar um comentário