O atual
sistema econômico brasileiro pode ser caracterizado como capitalismo de Estado,
em que por mais que haja elementos capitalistas nas relações econômicas, como a
garantia da propriedade privada e as privatizações feitas durante a década de
90 e que ainda continuam, ainda não pode ser caracterizado como capitalismo de
fato. Este como idealizado por liberais como Mises, Hayek, Friedman, Rothbard
ou ainda Roberto Campos requer um Estado reduzido, cuja principal função é a de
proteger a propriedade privada e, através da justiça, fazer com que os
contratos sejam respeitados.
Porém, o Estado brasileiro vai além
desses limites institucionais e tem tido um papel interventor na economia
relevante. A bandeira ideológica do governo atual é a do desenvolvimentismo, em
que o Estado deve fazer de tudo para desenvolver a economia. Para isto, as
intervenções são necessárias. Dentre estas, protecionismo é uma das ferramentas
importantes. Pensam, os desenvolvimentistas que para determinados setores
crescerem internamente é necessário impedir a concorrência externa. Nos dias
atuais, o “inimigo”são os produtos baratos chineses.
Outras intervenções, como redução na
tarifa da energia elétrica são medidas intervencionistas, pois porcuram através
de decretos manipular os preços. Atuações fortes para manipular outras
variáveis como juros e câmbio também deixariam os defensores do capitalismo desapontados.
A burocracia estatal, necessária
para o aparelho do Estado funcionar, é algo assustador. Demora-se muito tempo
para conseguir abrir uma empresa e uma eternidade para fechar. As
regulamentações chegam, até mesmo para alguém que não concorda com o
capitalismo, a ser um absurdo. A carga tributária brasileira também é altíssima,
sem que os serviços apresentem qualidade.
O capitalismo de Estado brasileiro
pode ser descrito dessa maneira, mas ainda existe um componente fundamental: os
empresários, ao invés de produzir para os consumidores, preferem se aliar e
fazer negócios com o Estado. O caso do Banco Rural que se deixou participar no
mensalão para obter vantagens na esfera federal não é uma exceção. Empresas
procuram o caminho mais rápido para o enriquecimento: os projetos
governamentais. Sem dúvida, o economista Ludwig von Mises não apoiaria esse tipo
de empresário.
Longe de discutir se o capitalismo
de Estado é bom ou ruim, é preciso entender, porque o capitalismo no Brasil não
atinge a sua forma de fato. Existiu e ainda existe todo um aparato histórico e
cultural que impede o florescimento do capitalismo de fato, mesclando questões
anteriores à colonização brasileira e aspectos da mentalidade brasileira.
Desde a Revolução de Avis
(1373-1375), o Estado português se centralizou de maneira efetiva. O grande
comandante da economia era o rei. O comércio ultra marítimo não pode ser
entendido como algo separado do patrimonialismo. O comércio estava intimamente
ligado com monopólios concedidos pela Coroa. Somente os amigos do rei podiam participar.
Foi esse sistema patrimonialista que permitiu o comércio além do mar e,
posteriormente, a própria colonização. A simbiose entre Estado e burgueses
permitiu a estes obter lucros fabulosos e a acumulação de capital, tão
fundamentais ao capitalismo.
O Brasil sendo apenas um complemento
da metrópole incorporou esse sistema patrimonialista, em que o Estado comando a
tudo e todos. A concessão de terra para produção colonial foi feito nesse
mesmo esquema de monopólio real. Poderiam produzir na nova colônia somente
aqueles a quem o rei concedesse terras e o direito de produção. Mesmo após a
independência, o patrimonialismo, um Estado forte e centralizado continuou sendo
a regra. Nesse sentido, o brasileiro acostumou-se a esperar tudo do Estado.
É nesse Estado patrimonialista que
se encaixa o capitalismo politicamente orientado: o governo deve comandar a
todos e deve ser a força motriz da economia, seja através de investimentos ou
da simbiose com a burguesia. Esta consegue obter lucros maiores e de maneira
mais segura do que se fosse deixada às forças de mercado, em que o fundamental
é agradar os consumidores. Além do mais, o Estado decide quais setores devem receber maiores atenções e os que devem menos.
O patrimonialismo brasileiro atingiu
um de seus ápices com Getúlio Vargas. O Estado foi a força motriz do
desenvolvimento através do investimentos diretos e ajudando setores nacionais
contra a concorrência externa. Alguns componentes da época varguista ainda estão
presentes na economia brasileiro do século XXI.
As raízes do Estado forte e centralizado,
que comanda a economia foram expostas
por Raymundo Faoro em os “Os Donos do poder.”O sistema que se iniciou com a
Revolução de Avis, em que o rei passou comandar a economia, seja investindo ou concedendo monopólios comerciais, que foi imposto por Portugal ao Brasil
sobrevive fortemente. Aqueles que possuem contatos com o governo conseguem
enriquecer. Aqueles que não, sofrem com as imposições estatais, como as
regulamentação e as políticas que favorecem determinados setores. O caso do
protecionismo é claro: o governo decide quais setores devem receber o
“privilégio” de não concorrer externamente.
Porém, analisar o capitalismo de
Estado somente por suas raízes históricas é pouco, porque sistemas por mais
históricos podem ser derrubados. Por que o patrimonialismo ainda não foi
derrubado, ainda? É nesse sentido que entra a mentalidade e a cultura. Afinal,
estas podem ser barreiras importantes para derrubar ou construir um novo
sistema. O brilhante artigo do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, denominado
“Doença existencial e
fracasso econômico social(1)”, é salutar para entender o triunfo e a manutença do capitalismo de
Estado no Brasil.
A primeira análise a ser feita é a
de que a vida requer escolhas e decisões para situações complexas. Caso seja bem-sucedido,
o indivíduo obtém felicidade, já em caso de fracasso, infortúnio. A economia é
uma das importantes maneiras de obtenção de sucesso e fracasso, portanto,
felicidade e infortúnio. “É evidente que
a conduta econômica do povo em exame está integrada nesse mapeamento geral.”,
escreveu Olavo de Carvalho.
Portanto, fundamental é analisar
quais foram os padrões de felicidade do povo brasileiro. Olavo demonstra que
desde o período colonial, os ocupantes do território poucos procuravam por
grandes empreendimentos, enquanto a imensa maioria limitava-se a procurar
segurança à sombra desses empreendedores. No período colonial, a burocracia
torna a vida mais segura e fácil para “uma
população tímida que não buscava senão proteção e segurança.”
Olavo ainda faz uma comparação entre
o povo norte-americano, que corajosamente e de maneira ambiciosa procurou se
espalhar pelo continente, enquanto no Brasil, apenas alguns poucos
desbravadores tentavam ocupar um imenso território, enquanto a maioria se
contentava em ficar em estreitas faixas litorâneas.
A falta de ambição, o medo de
fracassar, fizeram com que o Capitalismo de estado florescesse. O estadismo é,
portanto, expressão desse conceito de felicidade, em que mais importante do que
a ambição e a vitória ou fracasso é a segurança. Nesse tipo de mentalidade,
qualquer pessoa ambiciosa, corajosa é vista como expressão de banditismo,
marginalidade. A ousadia é vista como algo anormal.
Toda essa falta de ambição e a
procura por segurança e proteção só fez com que o patrimonialismo fosse mantido
e, dessa forma, triunfasse. Esperar que o Estado proteja o seu povo só faz com
que seus poderes aumentem demasiadamente até chegar o momento em que o poder
estatal começará a proibir alimentos, remédios, porque fazem mal à população.
Uma população que espera tudo do Estado parece mais com uma sociedade de
crianças que desejam que os pais façam tudo por elas.
A simbiose entre empresários e o
Estado nada mais é do que essa mentalidade de buscar segurança. É muito mais
fácil para um empresário ganhar dinheiro fazendo negócios com o governo ou
obtendo vantagens com este do que se arriscar e investir em novos produtos para
agradar os consumidores, pois para fazê-lo é necessário ambições e coragem, já
que se pode fracassar como vencer.
O capitalismo de Estado só pode
triunfar em uma sociedade com esse tipo de mentalidade, em que as únicas
ambições são por segurança e proteção, delega-se poder ao Estado para controlar
a economia, pois essa é a maneira mais segura de gerir o sistema econômico, do
que no capitalismo de fato, em que a condição necessária é de que a sociedade
seja ambiciosa e procure, mais do que segurança, obter sucesso através de
empreendimentos arriscados. Sem essa mentalidade de grandes ambições, o
capitalismo de fato não pode florescer.
Falar sobre essa mentalidade não
quer dizer que as mais ambiciosas sejam melhores do que as que buscam proteção
e segurança. Isso é outro debate. O que se deseja mostrar é que o capitalismo
politicamente orientado só consegue triunfar nesse ambiente cultural, enquanto
o capitalismo de fato necessita de outros fatores culturais para florescer.
Seja através da história e dos
componentes culturais, o Brasil conseguiu através dos séculos manter a mesma
estrutura imposta por Portugal. O Estado centralizado, que comanda a economia
e que impede o florescimento de
indivíduos corajosos, que se iniciou em Avis, ainda não foi abandonado. A
mentalidade foi o fator decisivo que tornou possível o triunfo desse sistema no
Brasil.
(1) - Link para o artigo completo: http://www.olavodecarvalho.org/textos/2005doencaexistencial.html
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