quarta-feira, 10 de abril de 2013

O escândalo que não virou pizza


À Bárbara Milani, uma graciosa menina

 “Estamos a condenar não todos os políticos, mas sim protagonistas de sórdidas tramas criminosas.” (Celso de Mello, ministro do STF)

            Relatos históricos são importantes para manter a memória de certos eventos que não podem ser esquecidos. “Mensalão”de Marco Antonio Villa é um livro que narra o principal julgamento da história do Supremo Tribunal Federal, e também “o maior escândalo da história política brasileira”. A compra de parlamentares por parte do PT, através de um complexo esquema de lavagem de dinheiro, foi conquistado pela aliança profana entre empresários, banqueiros e políticos. Somas vultuosas, recursos públicos desviados, votações legislativas compradas, reuniões clandestinas no Palácio do Planalto, pessoas de alto escalão do poder, dentre eles o ministro da Casa Civil. Esse é o roteiro do chamado mensalão.
            Tudo estava aparentemente tranquilo nos anais do poder, quando a revista Veja publicou uma reportagem sobre um diretor dos Correios, que cobrava propinas de empresas para serem fornecedoras. O PTB, partido da base aliada, detinha o controle desse setor. Portanto, o escândalo atingia em cheio o governo. Logo após a denúncia, políticos da oposição e até alguns da base aliada começaram os trabalhos para instalar uma CPI e investigar o caso. Com medo, o governo tentava de qualquer maneira evitar a instalação da CPI. Recomendações para políticos da base aliada não assinarem, tentativas de desqualificar a propostas, tal como dizer que a Polícia Federal poderiam muito bem resolver sem a necessidade da CPI. Medo por parte do governo de que as investigações revelassem muito mais do que se sabia até então? Os eventos posteriores mostraram que sim.
            Após o início do trabalhos, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, mostrou que os eventos nos Correios eram parte de um escândalo muito maior: o PT oferecia dinheiro para que políticos votassem conforme a indicação petista. Pior ainda: esse dinheiro advinha de recursos públicos e de empréstimos falsos. A grave denúncia feita pelo deputado colocava em maus lençóis o governo, já que o chefe de todo esse esquema era o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e que contava com uma estrutura para receber e lavar dinheiro do empresário mineiro, Marcos Valério. Este obtinha recursos públicos através do Banco Brasil e até da Câmara dos Deputados. Em ambas instituições quem favorecia o desvio de recursos (para serviços que não eram prestados) eram, no primeiro, Henrique Pizzolato que tinha vínculos com o PT, e no segundo, João Paulo Cunha, deputado pelo PT e presidente da Câmara à época. No caso de instituições privadas, como o Banco Rural e o BMG, estas falsificavam empréstimos para as empresas de Valério ou ainda para o PT. Em troca, os bancos conseguiam regalias com o governo.
            A cúpula política do esquema, como Dirceu e Delúbio Soares, indicavam os políticos para quem o dinheiro dever-se-ia ser entregue. Malas e carros fortes, depois saques nesses bancos, levavam dinheiro público e privado que servia para comprar votos dos parlamentares. A aliança profana estava montada para gerir todo esse esquema somente uma quadrilha.
            O caso acabou sendo pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro escolhido para ser o relator do processo seria Joaquim Barbosa. À época ninguém imaginava que os réus estariam em maus lençóis com a escolha desse ministro. Após cincos anos, Barbosa concluiu a relatoria, seria designado o revisor. Este foi Ricardo Lewandowski, que demorou seis meses para concluir seu trabalho. Essa dupla daria o que falar nos meses em que seria realizado o julgamento da Ação Penal 470, ou ainda, o mensalão.
            A primeira sessão foi realizada no dia 2 de Agosto de 2012. Começaria nesse momento um dos grandes eventos da história brasileira. O advogado-estrela, Márcio Thomas Bastos, começou pedindo o desmembramento do processo. Seria apenas uma questão de ordem que não teria grande relevância se não fosse pelo revisor que deu por relevante e sustentou o desmembramento do processo. O bate-boca entre ele e o relator, Joaquim Barbosa, dava mostras de que a relação relator-revisor não seria das melhores, como no decorrer do processo essas discussões e até acusações não foram exceções. Por 9 votos a 2 ( o outro voto a favor foi de Marco Aurélio Mello) o processo não seria desmembrado.
            No dia seguinte o procurador-geral fez as acusações. Nos outros, foi a vez dos advogados de defesa. Como Villa demonstra em seu relato, em muitos casos as defesas apelaram para acusações para com o procurador-geral, como o do advogado em que disse a Roberto Gurgel, procurado-geral, “a sua piscina está cheio de ratos.” Poucos advogados realmente fizeram bem seu papel de tentar defender seu cliente sem apelar para frases sem conexões com o processo ou atacar o procurador-geral. Mas a tese central de praticamente todas as defesas era admitir que todo aquele dinheiro era proveniente de caixa-dois para pagar despesas de campanha. Em um voto posterior, a ministra Carmem Lúcia demonstrou com perfeição que ficava espantada em ver os advogados afirmarem com tranquilidade que seus clientes praticavam caixa-dois, pois este é crime.
            Terminada as denúncias, o relator começaria seu voto pelo núcleo publicitário ou operacional. Além de Marcos Valério e sócios, o réu com maior desenvoltura era João Paulo Cunha, presidente da Câmara à época, e como bem mostrou Villa, candidato a prefeito de Osasco, quando o julgamento começou. O resultado foi positivo para o Brasil: tanto Valério como Cunha, além de Pizzolato que desviara dinheiro do Banco do Brasil, foram condenados.
            Depois seriam julgados os réus do chamado núcleo financeiro, em que além de Valério e seus sócios, como sempre, os diretores e a presidente do Banco Rural. O capítulo, em que Villa analisa essa parte do julgamento, foi denominado “Os ricos também choram”. Nada mais perfeito. A presidente, Kátia Rabello, e os diretores do Banco Rural foram firmemente condenados.
            Chegara a hora do núcleo políticos. Os deputados que foram corrompidos, dentre eles Valdemar da Costa Neto, líder do Partido Liberal (Hoje Partido da República), Roberto Jefferson, delator do esquema, presidente do PTB, além de deputados do PP. Muitos dos denunciados foram condenados, principalmente, por corrupção passiva, já que receberam dinheiro para votarem de acordo com o governo.
            Mas não existiria corrompidos sem os corruptores. A hora mais esperada dava o ar da graça: a cúpula petista era o foco. Seriam Dirceu, Delúbio e Genuíno condenados? O relator condenou a todos. O revisor, como era esperado, condenou apenas Delúbio. Causou estranheza para alguns ministros o fato de Delúbio ter sido o grande mentor de todo esse esquema sendo apenas tesoureiro do partido. Todos os três foram condenados por corrupção ativa. Posteriormente, condenados por formação de quadrilha, junto com Valério e Kátia Rabello e alguns outros mais.
            Todo o relato de Villa serve para mostrar como o STF fez história ao condenar os “marginais do poder”, como descreveu o ministro Celso de Mello. Ao contrário do que se pressupunha no início do julgamento, esse caso de corrupção não virou pizza, mas foi um exemplo ao Brasil. A tentativa de assalto ao Estado por parte do PT com o intuito de perpetuar se no poder, como demonstrou o ministro Ayres Britto. Para Villa, o julgamento do mensalão mostrou que é possível construir um Estado democrático, em que os valores não sejam da malandragem e da corrupção, e que esses casos serão devidamente punidos. O judiciário mostrou que não tolera os “marginais do poder.” Amanha será um novo dia, segundo Villa, somente se a forma de fazer política mudar, caso contrário, novos “mensalões”irão surgir.

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