terça-feira, 27 de agosto de 2013

Von Mises, pensador da liberdade econômica

O professor Ludwig von Mises foi o mais consistente e o mais brilhante economista e pensador da chamada Escola Austríaca de economia. Von Mises não só discutia, em seus livros, a economia, mas também questões filosóficas e sociais, principalmente, em relação ao liberalismo econômico e político.

Mises, tanto em seu pensamento político quanto econômico, poderia ser definido como um liberal clássico: defendia que o mercado deveria ser deixado livre para que pudesse se autorregular em contraposição ao intervencionismo, mas, ao mesmo tempo, como deixa claro em sua obra “Liberalismo” defendeu a necessidade do poder de coerção do Estado para que a cooperação social pudesse ser mais harmoniosa. 

Como ele mesmo escreveu em seu já citado livro (“Liberalismo”):
“Alguém tem de estar em condições de exigir da pessoa que não respeita a vida, a saúde, a liberdade pessoal ou a propriedade privada de outros, que não obedeça às regras da vida em sociedade. É esta função liberal atribui ao Estado: a proteção à propriedade, a liberdade e a paz.”

Infelizmente para os liberais da tradição austríaca, o pensamento econômico e político de von Mises ainda está marginalizado face a outros economistas de cunho liberal, como Hayek e Friedman. Porém, nos últimos a redescoberta da Escola Austríaca fez com que o nome desse importante liberal, assim como suas obras, chegasse ao debate público entre os defensores do mercado contra os intervencionistas e socialistas.
Mises relacionava liberdade com moralidade no sentido de que todos os preceitos éticos devem supor indivíduos autônomos e conscientes. Em um regime de escravidão, o escravo não é dono de si mesmo, portanto é obrigado a obedecer cegamente seu mestre. 

Os fundamentos econômicos da propriedade, da paz e da liberdade
          
  No capítulo I de “Liberalismo”, Mises discute a necessidade da divisão do trabalho para que se aumente o bem-estar material da população, já que o liberalismo não deve se ater a questões religiosas ou espirituais. A divisão do trabalho permite a especialização e ,portanto, maior produtividade. Tal como na fábrica de alfinetes de Smith, se cada um produzir uma determinada parte o número de alfinetes fabricados por dia será muitas vezes maior do que se um indivíduo fizer o todo.
           
Porém, a divisão do trabalho não basta para gerar bem-estar material, é preciso que exista a propriedade privada dos meios-de-produção, pois sem ela a produtividade seria muito menor. Como Mises demonstra em outra obra “Socialismo”, se os meios-de-produção tornarem-se coletivos (na figura do Estado), então será impossível se realizar o cálculo econômico, necessário à produção de bens.
            
Em um sistema que preza pela eficiência econômica, o trabalhador deve ser livre para que este possa ser muito mais produtivo, pois ele sabe que será melhor remunerado. Como próprio Mises escreveu, “ele [trablho livre] é capaz de criar mais riquezas para todos do que o trabalho escravo pode oferecer aos senhores.” Ou seja, em um sistema livre, o trabalhador é e deve ser livre para escolher seu local de trabalho. Se o salário que um determinado emprego não agradar, o trabalhador pode escolher outro que pague melhor.
           
A paz, segundo Mises, deveria ser buscada, não apenas por questões humanitárias, mas por que a guerra dificulta a divisão do trabalho e as trocas voluntárias. Se em uma determinada cidade, duas facções – sapateiros e ferreiros – entrarem em conflito, cada uma das partes ficará sem os produtos de que necessita. (Por exemplo, os sapateiros ficaram sem ferramentas e os ferreiros sem sapatos) O comércio mundial, fruto do liberalismo, necessita que exista paz para que as trocas comerciais possam ser realizadas.

Democracia dos consumidores e eleitores
           
Em um sistema que preze pela liberdade econômica, os soberanos são os consumidores. A liberdade de escolha por parte destes faz com que os melhores empresários continuem atuando no mercado e os piores sejam eliminados. É dessa forma que se garante a liberdade econômica, em que os detentores das empresas necessitam agradar aos consumidores para sobreviverem.
Ou seja, nesse sistema de liberdade de escolhas, não há posição garantida, em que os mais ricos hoje podem perder tudo amanha, enquanto aqueles que não têm recursos hoje podem ascender socialmente, basta que agrade os consumidores. O mesmo acontece na política, em que o político só será eleito será agradar seus eleitores.
           
Em Os fundamentos econômicos da liberdade, Mises argumenta:
            “ Se ele quiser ter êxito no mercado, terá de satisfazer os consumidores; se quiser ter êxito na vida política, terá de satisfazer os eleitores. Esse sistema trouxe aos países capitalistas da Europa Ocidental, América do Norte e Austrália um aumento demográfico sem precedentes e o mais alto padrão de vida jamais visto na história. O cidadão médio, sobre o qual tanto se fala, tem hoje à sua disposição amenidades e confortos com os quais os homens mais ricos das eras pré-capitalistas sequer sonhavam.
            
Em um sistema, em que os meios-de-produção estejam nas mãos do Estado, não haverá diversificação dos produtos, pois haverá apenas um produtor, o que impede com que os indivíduos sejam livres para escolherem os produtos que mais o satisfaçam. O mesmo poderia ser aplicado na política, em que um regime, no qual só há um partido, como os eleitores poderiam escolher políticos preferidos? Dessa forma, tanto a liberdade econômica e política seriam obstruídas em um sistema, no qual os meios-de-produção pertençam ao Estado.

Mises contra o intervencionismo

Nessa questão do trabalho, Mises defende não somente o trabalhador livre em contraposição do escravo como argumenta de maneira contrária às políticas intervencionistas, por parte dos sindicatos e governo, no mercado de trabalho. Isso por que, ao se fixar salários mínimos para determinado setor, por exemplo, alguns trabalhadores serão demitidos e procurarão trabalho em setores, nos quais não há pressão sindical. Nesse caso, aumentar-se a oferta de mão-de-obra  nesse setores e os salários decaíram. Se a política do salário mínimo se estender a toda economia, então haverá desemprego. Em seu livro “Intervencionismo: uma análise econômica”, Mises afirma:
A contrapartida de maiores salários para os trabalhadores organizados é menores salários para a mão de obra sem poder de pressão.  Mas, logo que toda a massa trabalhadora consegue se organizar, a situação muda.  Quando isso ocorre o trabalhador que perdeu seu emprego na indústria onde trabalhava não mais consegue se empregar em outra função; permanece desempregado.” (MISES: 2010)
          
  Outra interferência do governo se refere ao controle de preços. Mises afirma que os preços são uma “tendência a equilibrar a oferta e a procura.” Sempre que o governo agir no sentido de controlar os preços haverá desequilíbrios, em que, no caso de preços máximos haverá escassez de produtos e apenas algumas pessoas terão acesso a eles. (Isso acontece porque ao tentar limitar um preço máximo, o produtor terá de cortar gastos, o que reduzirá sua produção.) Os preços, portanto, devem ser deixados livres para que não existam desequilíbrios.
            
Mises defende a liberdade econômica, portanto, porque, segundo ele, esse sistema não privilegia determinado grupo em detrimento da população em geral. (Como no caso do protecionismo, em que as empresas protegidas ganham à custa dos consumidores, que terão de pagar maiores preços)
            “O que justifica a economia de mercado não são os interesses de alguns grupos, mas sim a preocupação de proporcionar o maior bem-estar para o maior número.  Não é verdade que os que apoiam o regime de economia de mercado livre sejam defensores dos interesses egoístas dos ricos.” E conclui Mises: “A economia de mercado é recomendável não porque seja do interesse dos ricos, mas por ser mais conveniente para o povo em geral.”
           
Ou seja, enquanto as interferências governamentais geram desequilíbrios e distorções econômicas. O intervencionismo é indesejável, porque fere os princípios da liberdade econômica, fazendo com que empresas e os consumidores sejam prejudicados. No caso das intervenções governamentais (no caso dos salários, do controle de preços, protecionismo e até da inflação), a supremacia do consumidor e a eficiência econômica são colocadas de lado para que as ações governamentais possam ser realizadas.

Em defesa da liberdade econômica
          
  Mises foi um dos grandes economistas que defenderam a liberdade econômica. Partindo de pressupostos de que a sociedade deve ser livre para que exista maior produtividade e melhor bem-estar material, assim como indivíduos devem ser livres para poderem escolher aquelas empresas que melhor o satisfaçam. O mercado, também, deve ser deixado livre para que não existam graves desequilíbrios, como escassez e desemprego.

           
Se a liberdade econômica necessita de seus intelectuais para se justificar, as lições de Mises foram e podem são preciosas para aqueles que defendem esse regime econômico em contraposição ao intervencionismo e o socialismo. Mesmo que ainda não muito reconhecido nos debates, para os defensores do liberalismo – principalmente para os da tradição austríaca - , Mises está à altura (ou acima) de liberais como Hayek e Friedman. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O elo entre regimes autoritários e a sociedade

Tanto na história como em muitos debates sobre os regimes autoritários, o maniqueísmo entre as resistências (sociedade) e os vilões ditadores (Estado) tenta eliminar a parcela de culpa da sociedade para com tais governos. O próprio debate sobre a corrupção, nos dias atuais, tenta colocar a culpa unicamente na classe política, dando a impressão que o próprio povo é sempre contra e não como um dos atores no filme da corrupção e dos governos ditatoriais. Essa velha tática do maniqueísmo pode ser útil para criar heróis, mas não deve ser considerado em uma análise mais profunda sobre a história e a realidade. Afinal, o mundo é bem mais complexo.

É dessa maneira que se pode resumir a série de três volumes organizados pelas professoras Denise Rollemberg e Samantha Viz Quadrat, denominado “A Construção Social dos Regimes Autoritários”. A história desses regimes na Europa, América Latina, África e Ásia mostra de maneira brilhante como a sociedade tem sua parcela de responsabilidade pelo que ocorreu em sua história. Neste livro, o maniqueísmo perde sua beleza e os textos presentes colocam o dedo na ferida em se tratando de regimes não-democráticos.

 Na introdução, questiona-se quando se diz que os governos autoritários se legitimaram através e apenas pelo uso da força. “Por muito tempo, a ênfase das abordagens das experiências esteve no poder das forças coercitivas; o ângulo de obervação do historiador, o Estado; o objeto a ser valorizado, a resistência. O principal problema que as interpretações colocaram, provavelmente, é não ter compreendido os regimes autoritários e as ditaduras como produto social.”

A sociedade não é uma entidade passiva, mudando muitas vezes de lado de acordo com o momento. O caso do Irã é bem claro. Aqueles que apoiaram o Xá, o fizeram pelo lado econômico positivo, conquistado através da “ocidentalização”do país. O governo também conquistou apoio dos grupos liberais, ao mesmo tempo em que sua proposta de nação também lhe dava adeptos da parte conservadora da sociedade. Com o tempo e o aumento das repressões do governo Xá, as idéias de dar mais poder ao Islã( já que a “Revolução Branca” feita por Reza Pahlavi buscava por criar uma sociedade laica) começava a ganhar força. Além do mais, o progresso à imagem do Ocidente começaram a perder força. A sociedade iraniana preferia, agora, o lado de Khomeini, o qual tinha uma proposta de nação bem diferente da do Xá.

Murilo Meihy, autor do artigo, descreveu esse processo: “Por isso não há como defender a ideia de que o Irã sempre esteve fadado às artimanhas do poder exercido de forma arbitrária. Ainda que a Ásia continue lamentavelmente sendo vista como um espaço para o despotismo, é inegável que a política do Irã não possa ser vista como um drama assistido passivamente pelo seu povo.”

As sociedades são diferentes, o que cria diferentes tipos de consenso. O bem-estar econômico e social são fatores importantes na legitimação, mas não são os únicos diante do complexidade do contexto social. Nem sempre a economia foi fundamental para legitimar, pois se somente ela define a continuidade e queda de um regime, países menos prósperos como Cuba, por exemplo, não haveria qualquer tipo regime autoritário há anos. Outros elementos são importantes, tais como: o nacionalismo e o anti-imperialismo são fundamentais para os regimes comunistas e socialistas como Cuba e Coréia do Norte – este último baseando-se na tríade: Memória, sagrado e encantamento. Dentre outros elementos e fatores que sustentam ditaduras ao redor do Mundo.
           
Na Alemanha Nazista não foi apenas a doutrinação ideológica que deu consenso ao governo de Hitler, mas a prisão dos chamados “marginais sociais”, como bandidos, prostitutas, e posteriormente os judeus entraram nessa classificação. Robert Gellately descreveu sobre esse elemento da consolidação nazista: “Apesar disso tudo, muitos que viveram o período tiveram a impressão, não apenas devido aos festivais, às promessas para o futuro e à exibição inebriante, mas exatamente devido aos esforços impendiosos para combater os marginais sociais.”

 Denise e Samantha, as organizadoras, escreveram dois artigos sobre a Associação Brasileira de Imprensa e sobre a juventude no contexto chileno, respectivamente, mostram que uma instituição – como a ABI e/ou a juventude – não são unânimes e muitas vezes há discordâncias ou pensar-duplo. Sobre a ABI, instituição tida como uma forte resistência durante a ditadura militar brasileira, Denise escreve:

“Inspirada em Laborie [outro pensador que escreve para o livro], diria que a ABI não foi, primeiro, defensora dos militares , e, depois resistente à ditadura, como foi Ulysses Guimarães. A recuperação das discussões e embates, cujo eixo foi a liberdade de expressão e de jornalistas, até o desencadeamento do projeto de abertura política Geisel Golbery, indica que esteve mais próxima do penser-double do que a trincheira do inexpugnável. Não era coesa, abarcava embates que desapareceram da memória. Mas, sobretudo, era ambivalente, capaz de ser a favor e contra os militares ao mesmo tempo.

 Sobre a juventude chilena no contexto da década de 70, havia embate entre os mais “progressistas”que defendiam o governo de Salvador Allende e outros, contrários a ele e que ajudaram a legitimar o governo Pinochet. Samantha descreve que a juventude não pode ser um conceito homogêneo. Ao falar em juventude é preciso ver as diferentes visões, diferentes classes e, se podemos dizer, outros tipos de sonhos. No Chile de Allende, os jovens não eram tão progressistas e sonhadores como a juventude é na maior das vezes caracterizada, mas havia jovens mais conservadores e que de maneira alguma apoiaram a Unidade Popular chilena.

Ao observar a história de uma maneira mais complexa é possível ver os erros que foram cometidos de forma mais abrangente. O trabalho realizado nos três volumes não quer negar a importância das resistências, que tiveram seu papel, mas tentar mostrar que a própria sociedade, entendida como resistência, por momentos desejou ou legitimou ditaduras. Em algumns lugares, até aqueles que eram contrários a tais governos acabaram por se silenciar também ao invés de lutar. Assim como a juventude no caso chileno, o contexto social nunca é homogêneo, mas bem mais heterogêneo e complexo. O elo entre a sociedade e os regimes autoritários é bem mais próximo do que se imagina. 


terça-feira, 13 de agosto de 2013

O crepúsculo da indústria brasileira

 O processo de desindustrialização pode ter chegado à níveis dramático: a participação da indústria de transformação no PIB de 26, 54% em 1990 decaiu para 13,25%, segundo os dados do IPEAdata. Economistas das mais diversas correntes concordam que esse processo está acontecendo. Mais do que discutir essa questão é se questionar o por que da ocorrência desse fenômeno, o qual tem grandes impactos na economia em geral, tanto na geração de empregos como na riqueza produzida.

 Dois preços-chaves, os quais têm suma importância para a indústria sofreram impactos que tiveram como consequência a fragilização da indústria nacional: o câmbio e o juro básico. Este primeiro vem sofrendo apreciações depois do Plano Real, mas com o surto das commodities dos últimos anos, e o segundo, em que os juros no Brasil, por mais que as recentes quedas fossem importantes ainda estão longe de um patamar “civilizado”, como dizem alguns economistas.

  A liberalização econômica dos anos 90 expôs uma indústria nacional acomodada, devido à falta de concorrência de décadas de extremas proteção. A abertura comercial fez com que empresas, antes soberanas no mercado nacional perdessem para a concorrência. O exemplo clássico é o setor de brinquedos, em que os nacionais foram perdendo espaço para os chineses. Assim, o fator China e outros países asiáticos, cujas políticas estão direcionadas  à exportação de bens manufaturados a baixos preços (devido ao baixo custo da mão-de-obra) gera, de certa forma, uma concorrência desleal. Afinal, que indústria, principalmente nos países periféricos, pode concorrer com a China hoje?

Mas o principal efeito da liberalização foi o seu efeito financeiro, em que se abriu para a entrada de capitais externos. Nesse sentido, com o intuito de atrair tais capitais, praticou-se (e ainda se pratica) a política de juros altos para beneficiar esses rentistas. A taxa de juros atua no duplo sentido de reduzir a inflação e como incentivo à atração de capitais estrangeiros.  Não só os juros altos impedem o investimento, principalmente na indústria de transformação, a qual requer alto volume de formação bruta de capital fixo (FBKF), impede que o governo possa fazer investimentos com o intuito de melhorar a infraestrutura do país.
            
Por outro lado, segundo alguns economistas renomados, como Bresser-Pereira e Luiz Gonzaga Belluzzo, o motivo principal do crepúsculo da indústria nacional seria o câmbio apreciado, o que dificulta  não só uma política de exportação desses bens manufaturados nacionais como tornam mais baratos (em reais) os produtos importados, principalmente os chineses, como já exposto acima.

A valorização cambial não estaria somente relacionada à liberalização financeira, mas, também, com a doença holandesa, em que a exportação de commodities fez com que entrassem vultosas somas de dólares na economia nacional, o que apreciou o câmbio nacional. Nesse processo, a doença holandesa transfere a mão-de-obra e recursos para setores que geram baixo valor agregado em detrimento dos setores que geram alto valor agregado, como a indústria de transformação. Quando não acompanhada de medidas de neutralização dessa entrada de dólares na economia, as políticas de vantagens comparativas tendem a fragilizar a indústria nacional, como vem ocorrendo.

Ou seja, todas as políticas econômicas de liberalização da economia, das vantagens comparativas e de juros altos levaram à indústria brasileira a uma situação dramática. Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Sérgio Gomes, em um artigo denominado “A longa marcha para a insensatez”, demonstram como as políticas dos anos 90 estão produzindo esses efeitos nefastos para a indústria nacional.
“Na vida real, a abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos suscitou, porém, o desaparecimento de elos das cadeias produtivas da indústria de transformação, com perda de valor agregado gerado no País, decorrente da elevação das importações, sem ganhos nas exportações, em cada uma das cadeias de produção.”

 A retomada da força industrial brasileira, em seu atual estágio dramático, requer certas políticas não muito agradáveis, as quais podem gerar certos conflitos. Seria necessária que taxas de juros fossem adequadas a ponto de tornar o investimento social mais interessante. Por outro lado, o Banco Central deveria atuar no mercado cambial a ponto de administrar o câmbio de maneira a evitar os impactos dessa concorrência desleal, a qual permitiria a indústria nacional voltar a ter forte peso na geração de riqueza. Mas, isso requer uma escolha de Sofia: ou a indústria nacional volta a ter importância ou a economia brasileira terá de suportar algum grau de inflação. 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Cegueira social

“Vai haver luta, guerra, Os cegos estão em guerra, sempre estiveram em guerra” (José Samarago)
            
Uma cegueira branca, como um mar de leite. Essa é o mal que atingiu a humanidade no clássico livro de José Saramago “Ensaio sobre a cegueira”. Os ensinamentos, as conclusões, os pensamentos que podem ser retirados dessa obra realmente são elevados. Saramago nos leva a um mundo, no qual toda a humanidade está condenada a viver sem a visão. A humanidade teve de aprender a viver, como os nossos mais remotos ancestrais. Todo conforto, todos avanços conquistados até aquele momento de nada adiantaram. A busca pela sobrevivência, mesmo que às custas dos outros, o retorno ao estilo de vida primitivo, no qual as pessoas não têm identidade própria, guerras entre grupos e indivíduos é o cenário traçado pelo escritor português.
            
Há inúmeras hipóteses para a cegueira. Mas a sociologia poderia explicar essa cegueira branca como sendo causa de um conceito denominado alienação, ou seja, quando os indivíduos não conseguem pensar de maneira crítica ou mal conseguem pensar por conta própria, mas através dos demais. Nos últimos trechos do livro, a mulher de um médico, a única que não cegou, tenta explicar a cegueira: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que vendo, não vêem.” Ou seja, a sociedade pode enxergar os problemas sociais, mas não os enxerga com a devida profundidade e nem sequer pensa sobre eles. Assim como na alienação, a humanidade que cegou, o aconteceu porque não viam o que tinham de ver e a cegueira branca foi uma consequência disto. Era como se a sociedade que já não via, ficasse impedida de ver.

Samarago demonstra como foi essa vida primitiva, começando com os primeiros cegos – dentre eles a mulher do médico que realmente via – sendo isolados em um manicômio vazio. Tal como nas sociedade mais primitivas, o sentimento coletivo realmente importava. Nesse início, a comida era dividida de acordo com as necessidades de cada um. Não tardou, logo alguns indivíduos tentaram obter uma maior fatia de comida, chegando ao extremo de um determinado grupo “privatizar a comida”em troca de bens materiais e, posteriormente, em troca de mulheres.

Nesse ponto entra uma forte crítica de Saramago, assim como o filósofo Rousseau fez, à propriedade privada. Nas sociedades de nossos ancestrais o sentimento coletivo prevalecia até que chegou um momento em que um grupo de pessoas cercou a comida – na crítica de Rousseau a terra – e disse: agora ela é nossa. A propriedade da comida gerou desigualdades e conflitos, pois esse grupo ganhou às custas de outros.

A sociedade nem sempre caminha para o progresso. As ações que os indivíduos definem o futuro, e se essas ações presentes são danosas para a cooperação social, a humanidade entrará em colapso. O fato de ver os problemas sociais, mas não fazer nada, nem menos pensar com uma maior profundidade neles leva à sociedade para um caos futuro, como o que aconteceu no ensaio de Saramago. E talvez, a cegueira tenha sido um tipo de dilúvio, não de águas furiosas por quarenta dias, mas de um mar de leite, que após passar mostraria para sociedade que é necessário mudar, que com a tragédia da cegueira, ela tivesse maior vontade de enxergar que se deve enxergar.

Ao nos mostrar todo o caos de uma sociedade cega, a leitura, e principalmente a reflexão sobre tal livro, se faz necessária em tempos, em que as pessoas têm ficado cegas para problemas que devem ser vistos. O que se passa no livro pode não estar muito longe e toda a racionalidade humana pode dar lugar a um comportamento que hoje se chama selvagem, mas que em tal situação seria a única forma de sobreviver.