“Vai haver luta,
guerra, Os cegos estão em guerra, sempre estiveram em guerra” (José Samarago)
Uma cegueira branca, como um mar de
leite. Essa é o mal que atingiu a humanidade no clássico livro de José Saramago
“Ensaio sobre a cegueira”. Os ensinamentos, as conclusões, os pensamentos que
podem ser retirados dessa obra realmente são elevados. Saramago nos leva a um
mundo, no qual toda a humanidade está condenada a viver sem a visão. A
humanidade teve de aprender a viver, como os nossos mais remotos ancestrais.
Todo conforto, todos avanços conquistados até aquele momento de nada
adiantaram. A busca pela sobrevivência, mesmo que às custas dos outros, o
retorno ao estilo de vida primitivo, no qual as pessoas não têm identidade
própria, guerras entre grupos e indivíduos é o cenário traçado pelo escritor
português.
Há inúmeras hipóteses para a
cegueira. Mas a sociologia poderia explicar essa cegueira branca como sendo
causa de um conceito denominado alienação, ou seja, quando os indivíduos não
conseguem pensar de maneira crítica ou mal conseguem pensar por conta própria,
mas através dos demais. Nos últimos trechos do livro, a mulher de um médico, a
única que não cegou, tenta explicar a cegueira: “Penso que não cegamos, penso
que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que vendo, não vêem.” Ou seja, a
sociedade pode enxergar os problemas sociais, mas não os enxerga com a devida
profundidade e nem sequer pensa sobre eles. Assim como na alienação, a
humanidade que cegou, o aconteceu porque não viam o que tinham de ver e a
cegueira branca foi uma consequência disto. Era como se a sociedade que já não
via, ficasse impedida de ver.
Samarago demonstra como foi essa
vida primitiva, começando com os primeiros cegos – dentre eles a mulher do
médico que realmente via – sendo isolados em um manicômio vazio. Tal como nas
sociedade mais primitivas, o sentimento coletivo realmente importava. Nesse
início, a comida era dividida de acordo com as necessidades de cada um. Não
tardou, logo alguns indivíduos tentaram obter uma maior fatia de comida,
chegando ao extremo de um determinado grupo “privatizar a comida”em troca de
bens materiais e, posteriormente, em troca de mulheres.
Nesse ponto entra uma forte crítica
de Saramago, assim como o filósofo Rousseau fez, à propriedade privada. Nas
sociedades de nossos ancestrais o sentimento coletivo prevalecia até que chegou
um momento em que um grupo de pessoas cercou a comida – na crítica de Rousseau
a terra – e disse: agora ela é nossa. A propriedade da comida gerou
desigualdades e conflitos, pois esse grupo ganhou às custas de outros.
A sociedade nem sempre caminha para
o progresso. As ações que os indivíduos definem o futuro, e se essas ações
presentes são danosas para a cooperação social, a humanidade entrará em
colapso. O fato de ver os problemas sociais, mas não fazer nada, nem menos
pensar com uma maior profundidade neles leva à sociedade para um caos futuro,
como o que aconteceu no ensaio de Saramago. E talvez, a cegueira tenha sido um
tipo de dilúvio, não de águas furiosas por quarenta dias, mas de um mar de
leite, que após passar mostraria para sociedade que é necessário mudar, que com
a tragédia da cegueira, ela tivesse maior vontade de enxergar que se deve enxergar.
Ao nos mostrar todo o caos de uma
sociedade cega, a leitura, e principalmente a reflexão sobre tal livro, se faz
necessária em tempos, em que as pessoas têm ficado cegas para problemas que
devem ser vistos. O que se passa no livro pode não estar muito longe e toda a racionalidade
humana pode dar lugar a um comportamento que hoje se chama selvagem, mas que em
tal situação seria a única forma de sobreviver.
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