terça-feira, 6 de agosto de 2013

Cegueira social

“Vai haver luta, guerra, Os cegos estão em guerra, sempre estiveram em guerra” (José Samarago)
            
Uma cegueira branca, como um mar de leite. Essa é o mal que atingiu a humanidade no clássico livro de José Saramago “Ensaio sobre a cegueira”. Os ensinamentos, as conclusões, os pensamentos que podem ser retirados dessa obra realmente são elevados. Saramago nos leva a um mundo, no qual toda a humanidade está condenada a viver sem a visão. A humanidade teve de aprender a viver, como os nossos mais remotos ancestrais. Todo conforto, todos avanços conquistados até aquele momento de nada adiantaram. A busca pela sobrevivência, mesmo que às custas dos outros, o retorno ao estilo de vida primitivo, no qual as pessoas não têm identidade própria, guerras entre grupos e indivíduos é o cenário traçado pelo escritor português.
            
Há inúmeras hipóteses para a cegueira. Mas a sociologia poderia explicar essa cegueira branca como sendo causa de um conceito denominado alienação, ou seja, quando os indivíduos não conseguem pensar de maneira crítica ou mal conseguem pensar por conta própria, mas através dos demais. Nos últimos trechos do livro, a mulher de um médico, a única que não cegou, tenta explicar a cegueira: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que vendo, não vêem.” Ou seja, a sociedade pode enxergar os problemas sociais, mas não os enxerga com a devida profundidade e nem sequer pensa sobre eles. Assim como na alienação, a humanidade que cegou, o aconteceu porque não viam o que tinham de ver e a cegueira branca foi uma consequência disto. Era como se a sociedade que já não via, ficasse impedida de ver.

Samarago demonstra como foi essa vida primitiva, começando com os primeiros cegos – dentre eles a mulher do médico que realmente via – sendo isolados em um manicômio vazio. Tal como nas sociedade mais primitivas, o sentimento coletivo realmente importava. Nesse início, a comida era dividida de acordo com as necessidades de cada um. Não tardou, logo alguns indivíduos tentaram obter uma maior fatia de comida, chegando ao extremo de um determinado grupo “privatizar a comida”em troca de bens materiais e, posteriormente, em troca de mulheres.

Nesse ponto entra uma forte crítica de Saramago, assim como o filósofo Rousseau fez, à propriedade privada. Nas sociedades de nossos ancestrais o sentimento coletivo prevalecia até que chegou um momento em que um grupo de pessoas cercou a comida – na crítica de Rousseau a terra – e disse: agora ela é nossa. A propriedade da comida gerou desigualdades e conflitos, pois esse grupo ganhou às custas de outros.

A sociedade nem sempre caminha para o progresso. As ações que os indivíduos definem o futuro, e se essas ações presentes são danosas para a cooperação social, a humanidade entrará em colapso. O fato de ver os problemas sociais, mas não fazer nada, nem menos pensar com uma maior profundidade neles leva à sociedade para um caos futuro, como o que aconteceu no ensaio de Saramago. E talvez, a cegueira tenha sido um tipo de dilúvio, não de águas furiosas por quarenta dias, mas de um mar de leite, que após passar mostraria para sociedade que é necessário mudar, que com a tragédia da cegueira, ela tivesse maior vontade de enxergar que se deve enxergar.

Ao nos mostrar todo o caos de uma sociedade cega, a leitura, e principalmente a reflexão sobre tal livro, se faz necessária em tempos, em que as pessoas têm ficado cegas para problemas que devem ser vistos. O que se passa no livro pode não estar muito longe e toda a racionalidade humana pode dar lugar a um comportamento que hoje se chama selvagem, mas que em tal situação seria a única forma de sobreviver.


             

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