Em meios aos protestos ocorridos nos últimos dias, um amigo
lembrou-se da bela música cantada por Sérgio Sampaio “Eu quero botar meu bloco
na rua”, um dos símbolos contra a repressão da ditadura. De maneira
impressionante, parte considerável do povo brasileiro resolveu colocar seu
bloco na rua contra, inicialmente o aumento das tarifas de ônibus, mas,
posteriormente, tomando um caráter mais geral contra corrupção e outras mazelas.
Louvável a atitude desses manifestantes (não em seu sentido pejorativo como
mostra a mídia), mas para que mudanças sociais efetivas sejam feitas nos país é
preciso muito mais do que protestos. Estes são apenas primeiros passos para
transformações significativas.
Ao
contrário do que pode se pensar, o gigante brasileiro já estava acordado desde,
para simplificar bastante, as graves do ABC e o movimento das Diretas Já e,
posteriormente, os caras-pintadas nos anos noventa, movimentos, mais do que
exemplares, foram fundamentais para que a redemocratização brasileira, depois
do sombrio período da ditadura militar.
Mas
mesmo com toda a movimentação e a exigência da democratização sendo cumprida,
infelizmente, tais movimentos dos anos oitenta e noventa não conseguiram
realizar mudanças de caráter tão profundo na sociedade brasileira quanto poderia ser. Mesmo com a democratização,
políticos e empresários que se beneficiaram com a ditadura continuam no poder,
a corrupção é um fantasma que insiste em não ir embora, a desigualdade, mesmo
com significativas reduções nos últimos anos, é um problema grave ser
enfrentado e, ultimamente, direitos das minorias ainda não estão a níveis
desejáveis. Puras e simples manifestações de protestos, o povo indo às ruas
após se revoltar com os problemas faz com que os políticos se sintam
pressionados, e devem sê-lo sempre, mas nem sempre se consegue mudar a
sociedade de maneira efetiva. Por isso, simplesmente protestar, ainda que
louvável e fundamental para a democracia, é muito pouco.
É
necessário que o povo seja inserindo, ou melhor, se insira dentro de um debate
público mais amplo. Mais do que se revoltar, é preciso pensar o Brasil. Faz-se
necessário discutir de maneira contundente os problemas que se alastram na
sociedade atual. Discutir, de maneira profunda, questões de caráter histórico,
social, econômico e político que atingem a nação brasileira e, posteriormente,
se pensar em propostas efetivas para tais enigmas é a chave para que as
mudanças significativas ocorram.
Simplesmente
protestar, ainda que, novamente, seja uma atitude bela e fundamental, não irá
conseguir atingir o cerne de cada problema. Os protestos devem servir para que
a própria população brasileira tome conhecimento de que é necessário pensar o
Brasil. Pedir à cabeça de políticos, ainda que necessário em muitos casos, não
irá mudar o atual sistema político. Necessita-se entendê-lo e discuti-lo de maneira crítica. Pedir que o
governo dê educação de qualidade não fará com que esta melhore de fato. Mais
importante, além de protestar contra a falta de recursos públicos destinado aos
setores mais essenciais não mudará muito coisa, é discutir o por que a educação
(ou qualquer outro serviço público) é de baixa qualidade. Seria apenas uma
questão de falta de benevolência dos governantes, ou teria raízes mais
profundas, como, por exemplo, o gasto do governo demasiado com pagamento de
juros ou, utilizando uma teoria mais “conspiratória” no caso educação,
instituições como FMI não teriam um dedo causador da baixa qualidade da
educação pública? As desigualdades de renda, como afirmam as esquerdas, não
teriam raízes como a liberalização dos mercados mundiais, ocorridos no final
dos anos setenta? Ou mais, a falta de direitos trabalhistas ou de outros
direitos básicos prescritos na Constituição não teriam um peso na desigualdade
de renda, também?
Sobre a
corrupção não precisa falar. Seria mais eficaz, não apenas protestar e pedir a
cabeça de políticos, mas analisar de maneira mais profunda o por que da
corrupção ser um problema tão grave. Esta não seria algo já enraizado dentro da
própria estrutura social brasileira, tendo um caráter histórico, por exemplo?
Não haveria mais causas do que simplesmente a malevolência dos políticos? A
corrupção, também, não estaria nas próprias relações sociais, em que se
confunde bens público e bens privados? Corruptos seriam apenas os outros?
Nesse
sentido, as redes sociais, fontes agregadoras de pessoas paras protestos,
dever-se-ia ser um espaço, não apenas para as pessoas compartilharem as fotos
de protestos ou fotos que contenham certos clichês, mas como ferramentas de ampliação dos debates
públicos, em que artigos e opiniões possam ser discutidos de maneira crítica. É
um canal de discussão, cujas gerações anteriormente não tinham e que a nossa
tem, mas nem sempre a utiliza para tais fins.
Por
fim, como demonstrou Reinaldo Azevedo em um dos seus brilhantes textos em “
País dos Petralhas II”, as entidades e organizações foram de certa forma
cooptados pelo governo, mais especificamente, pelo PT. Dessa maneira, essas
entidades tornaram-se mais lenientes com as ações governamentais. Faz-se,
necessário, portanto, que os movimentos,
os quais são um canal para a ampliação do debate público, sejam
independentes de qualquer influência governamental ou de partidos que estejam
no poder.
Como
escreveu o sociólogo Aurélio Munhoz, em um brilhante artigo publicado no site
da Carta Capital: “É preciso muito mais
que um conjunto de manifestações contra o transporte coletivo ou os excessos
nas obras da Copa para que isto ocorra. É preciso que decorra um longo (e, como
sempre, sofrido) processo histórico de construção da nossa consciência política
e da cidadania, como nos ensina Faoro em sua segunda lição, para que a
exploração seja banida da vida nacional. Não é o que ocorre nos protestos em
análise, por mais respeitáveis que sejam.”
Os
recentes protestos são válidos e importantes tanto para a democracia quanto
para que o próprio povo tome conhecimento de que mudanças são necessárias.
Porém, a curto prazo os protestos, por si só, podem gerar algumas mudanças, mas
se a sociedade brasileira deseja mais, faz-se necessário mais do que
simplesmente protestar: os próximos passos devem ser da ampliação do debate
público, até para que se possa, de maneira mais efetiva, pressionar os poderosos.
Os recentes protestos, que são continuidade dos que ocorreram nos anos oitenta
e noventa, devem servir como base de conhecimento para que a sociedade veja a
necessidade de um maior debate público. Caso os protestos fiquem apenas na
revolta e não avancem para esse passo seguinte, a primavera brasileira será
apenas uma primavera: algo passageiro. Que os protestos avancem para o debate
público. Que nada disso seja apenas uma primavera.
O link do artigo publicado na Carta Capital:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/um-processo-lento-e-doloroso-2847.html
O link do artigo publicado na Carta Capital:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/um-processo-lento-e-doloroso-2847.html
Realmente, podemos estar em um início de primavera -- a meu ver, nosso amadurecimento político e cidadania ( avaliando o sociólogo Munhoz ) virá talvez de um processo penoso de consciências e reflexões -- a partir de nossas raízes e formação sociocultural. Porque não PROTESTAR , esta é a ferramenta inicial para esculpirmos os pilares do edíficio chamado PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS DESTINOS DA NAÇÃO. Claro, um protesto necessita de premissas e pleitos legítimos , porque não os 20 centavos da passagem de um transporte popular - é um passo para tantas caminhadas em busca de conhecimentos, consciências , verdades e reconhecimento de nossa dimensão humana. Merecemos nascer , viver em sociedade , ter uma pátria e nela prosperarmos com liberdade e respeito cidadão. Parabéns manifestantes , abaixo a inércia e a submissão..
ResponderExcluirEDUARDO CARDOSO JR. (LEME-SP)