terça-feira, 18 de junho de 2013

Que não seja apenas uma primavera

             Em meios aos protestos ocorridos nos últimos dias, um amigo lembrou-se da bela música cantada por Sérgio Sampaio “Eu quero botar meu bloco na rua”, um dos símbolos contra a repressão da ditadura. De maneira impressionante, parte considerável do povo brasileiro resolveu colocar seu bloco na rua contra, inicialmente o aumento das tarifas de ônibus, mas, posteriormente, tomando um caráter mais geral contra corrupção e outras mazelas. Louvável a atitude desses manifestantes (não em seu sentido pejorativo como mostra a mídia), mas para que mudanças sociais efetivas sejam feitas nos país é preciso muito mais do que protestos. Estes são apenas primeiros passos para transformações significativas.
               
               Ao contrário do que pode se pensar, o gigante brasileiro já estava acordado desde, para simplificar bastante, as graves do ABC e o movimento das Diretas Já e, posteriormente, os caras-pintadas nos anos noventa, movimentos, mais do que exemplares, foram fundamentais para que a redemocratização brasileira, depois do sombrio período da ditadura militar.
               
               Mas mesmo com toda a movimentação e a exigência da democratização sendo cumprida, infelizmente, tais movimentos dos anos oitenta e noventa não conseguiram realizar mudanças de caráter tão profundo na sociedade brasileira quanto  poderia ser. Mesmo com a democratização, políticos e empresários que se beneficiaram com a ditadura continuam no poder, a corrupção é um fantasma que insiste em não ir embora, a desigualdade, mesmo com significativas reduções nos últimos anos, é um problema grave ser enfrentado e, ultimamente, direitos das minorias ainda não estão a níveis desejáveis. Puras e simples manifestações de protestos, o povo indo às ruas após se revoltar com os problemas faz com que os políticos se sintam pressionados, e devem sê-lo sempre, mas nem sempre se consegue mudar a sociedade de maneira efetiva. Por isso, simplesmente protestar, ainda que louvável e fundamental para a democracia, é muito pouco.
              
                É necessário que o povo seja inserindo, ou melhor, se insira dentro de um debate público mais amplo. Mais do que se revoltar, é preciso pensar o Brasil. Faz-se necessário discutir de maneira contundente os problemas que se alastram na sociedade atual. Discutir, de maneira profunda, questões de caráter histórico, social, econômico e político que atingem a nação brasileira e, posteriormente, se pensar em propostas efetivas para tais enigmas é a chave para que as mudanças significativas ocorram.
             
                Simplesmente protestar, ainda que, novamente, seja uma atitude bela e fundamental, não irá conseguir atingir o cerne de cada problema. Os protestos devem servir para que a própria população brasileira tome conhecimento de que é necessário pensar o Brasil. Pedir à cabeça de políticos, ainda que necessário em muitos casos, não irá mudar o atual sistema político. Necessita-se entendê-lo  e discuti-lo de maneira crítica. Pedir que o governo dê educação de qualidade não fará com que esta melhore de fato. Mais importante, além de protestar contra a falta de recursos públicos destinado aos setores mais essenciais não mudará muito coisa, é discutir o por que a educação (ou qualquer outro serviço público) é de baixa qualidade. Seria apenas uma questão de falta de benevolência dos governantes, ou teria raízes mais profundas, como, por exemplo, o gasto do governo demasiado com pagamento de juros ou, utilizando uma teoria mais “conspiratória” no caso educação, instituições como FMI não teriam um dedo causador da baixa qualidade da educação pública? As desigualdades de renda, como afirmam as esquerdas, não teriam raízes como a liberalização dos mercados mundiais, ocorridos no final dos anos setenta? Ou mais, a falta de direitos trabalhistas ou de outros direitos básicos prescritos na Constituição não teriam um peso na desigualdade de renda, também?
               
             Sobre a corrupção não precisa falar. Seria mais eficaz, não apenas protestar e pedir a cabeça de políticos, mas analisar de maneira mais profunda o por que da corrupção ser um problema tão grave. Esta não seria algo já enraizado dentro da própria estrutura social brasileira, tendo um caráter histórico, por exemplo? Não haveria mais causas do que simplesmente a malevolência dos políticos? A corrupção, também, não estaria nas próprias relações sociais, em que se confunde bens público e bens privados? Corruptos seriam apenas os outros?
                
            Nesse sentido, as redes sociais, fontes agregadoras de pessoas paras protestos, dever-se-ia ser um espaço, não apenas para as pessoas compartilharem as fotos de protestos ou fotos que contenham certos clichês, mas  como ferramentas de ampliação dos debates públicos, em que artigos e opiniões possam ser discutidos de maneira crítica. É um canal de discussão, cujas gerações anteriormente não tinham e que a nossa tem, mas nem sempre a utiliza para tais fins.
                
            Por fim, como demonstrou Reinaldo Azevedo em um dos seus brilhantes textos em “ País dos Petralhas II”, as entidades e organizações foram de certa forma cooptados pelo governo, mais especificamente, pelo PT. Dessa maneira, essas entidades tornaram-se mais lenientes com as ações governamentais. Faz-se, necessário, portanto, que os movimentos,  os quais são um canal para a ampliação do debate público, sejam independentes de qualquer influência governamental ou de partidos que estejam no poder.
               
             Como escreveu o sociólogo Aurélio Munhoz, em um brilhante artigo publicado no site da Carta Capital: “É preciso muito mais que um conjunto de manifestações contra o transporte coletivo ou os excessos nas obras da Copa para que isto ocorra. É preciso que decorra um longo (e, como sempre, sofrido) processo histórico de construção da nossa consciência política e da cidadania, como nos ensina Faoro em sua segunda lição, para que a exploração seja banida da vida nacional. Não é o que ocorre nos protestos em análise, por mais respeitáveis que sejam.”

               
               Os recentes protestos são válidos e importantes tanto para a democracia quanto para que o próprio povo tome conhecimento de que mudanças são necessárias. Porém, a curto prazo os protestos, por si só, podem gerar algumas mudanças, mas se a sociedade brasileira deseja mais, faz-se necessário mais do que simplesmente protestar: os próximos passos devem ser da ampliação do debate público, até para que se possa, de maneira mais efetiva, pressionar os poderosos. Os recentes protestos, que são continuidade dos que ocorreram nos anos oitenta e noventa, devem servir como base de conhecimento para que a sociedade veja a necessidade de um maior debate público. Caso os protestos fiquem apenas na revolta e não avancem para esse passo seguinte, a primavera brasileira será apenas uma primavera: algo passageiro. Que os protestos avancem para o debate público. Que nada disso seja apenas uma primavera. 

O link do artigo publicado na Carta Capital:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/um-processo-lento-e-doloroso-2847.html

Um comentário:

  1. Realmente, podemos estar em um início de primavera -- a meu ver, nosso amadurecimento político e cidadania ( avaliando o sociólogo Munhoz ) virá talvez de um processo penoso de consciências e reflexões -- a partir de nossas raízes e formação sociocultural. Porque não PROTESTAR , esta é a ferramenta inicial para esculpirmos os pilares do edíficio chamado PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS DESTINOS DA NAÇÃO. Claro, um protesto necessita de premissas e pleitos legítimos , porque não os 20 centavos da passagem de um transporte popular - é um passo para tantas caminhadas em busca de conhecimentos, consciências , verdades e reconhecimento de nossa dimensão humana. Merecemos nascer , viver em sociedade , ter uma pátria e nela prosperarmos com liberdade e respeito cidadão. Parabéns manifestantes , abaixo a inércia e a submissão..
    EDUARDO CARDOSO JR. (LEME-SP)

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