terça-feira, 8 de outubro de 2013

A lição econômica de Bastiat

Na primeira parte de seu livro “Ensaios (que também pode ser encontrado com o título “Frederic Bastiat), o economista clássico, Frederic Bastiat, ao diferenciar um bom do mau economista, definiu o que se poderia chamar de lição econômica de Bastiat:  
“Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o  outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever.”
 Mais:
“Daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente, está gerando um grande mal no futura jâ o verdadeiro bom economista, ao perseguir um grande benefício no futuro, corre o risco de provocar um pequeno mal no presente.”

Portanto, entender os efeitos e para se propor políticas públicas eficientes em relação ao problemas econômicos não basta enxergar o que acontece de imediato ( o que não se vê), mas ir além e procurar se deter ao que não pode ser visto de maneira clara. Henry Hazzlit, em “Economia em uma única lição”, descreve a importância do economista pensar assim:
Ao considerarmos uma política, não devemos concentrar-nos somente em resultados a longo prazo para a comunidade como um todo.  É o erro muitas vezes cometido pelos economistas clássicos.  O resultado foi certa indiferença com o destino de grupos imediatamente feridos pela política ou pelos desenvolvimentos que provaram ser benéficos no cômputo geral e a longo prazo.”

Essa lição proposta por Bastiat e seguida por Hazzlit pode parecer banal, afinal em todas as ciências deve-se buscar ir além das aparências, mas o que pode ser simples, não é o que acontece na realidade, em que, segundo esses autores, em que os economistas ficam confortáveis apenas em ver o que acontece no curto prazo e preferem ignorar o longo prazo. O economista John Maynard Keynes, aliás, já afirmava: “No longo prazo, todos estaremos mortos”

A importância dessa lição, como refletir-se-á nos exemplos, é de que políticas pensadas unicamente nos efeitos do que se vê (curto prazo) acabam por prejudicar a economia por inteiro e, justamente, podendo corromper o futuro. Os exemplos a seguir ajudam a deixar mais claro o pensamento do economista francês.

A Vidraça quebrada e a economia da destruição
O clássico exemplo de Bastiat para demonstrar seu argumento é a chamada “Falácia da janela quebrada”. De maneira sintetizada, o economista conta de história de um padeiro, cujo filho quebrou a vidraça de sua padaria. Por ruim que seja, todos comemoram, pois assim com essa destruição, haverá emprego para o vidraceiro, o que estimulará a economia, gerando renda e empregos. Isso é o que se vê.

Porém, o que não se vê é que, provavelmente, o padeiro gastaria o dinheiro que foi gasto com uma nova vidraça poderia para comprar sapatos. Nesse sentido, a vidraça quebrada deixou de gerar emprego e renda no setor de sapatos. Portanto, o que não se vê é que, ao invés de enriquecer, a economia decresceu – ou se manteve constante, no mínimo – pois ao invés de ter uma vidraça – como realmente havia antes da sua destruição – e um sapato, agora a economia tem apenas uma vidraça. Como escreveu Bastiat:
“Não se vê que, se o nosso burguês gastou seis francos numa determinada coisa, não vai poder gastá-los noutra! Não se vê que, se ele não tivesse nenhuma vidraça para substituir, ele teria trocado, por exemplo, seus sapatos velhos ou posto um-livro a mais em sua biblioteca. Enfim, ele teria aplicado seus seis francos em alguma outra coisa que, agora, não poderá mais comprar.”

Ampliando o argumento, a chamada economia de destruição, em que certas catástrofes ao destruir cidades, por mais tenebrosa que possa ser, a sua reconstrução gerará estímulos econômicos não passa de uma falácia: o capital que será gasto com a reconstrução poderia ser gasto com a produção de novos bens que iriam aumentar a riqueza da sociedade.

Assim, se um terremoto destrói hospitais e escolas, o dinheiro para reconstruí-las poderia ser gasto, por exemplo, para construir e produzir pontes, estradas das quais a população pode estar necessitada. Assim, a destruição, ao invés de enriquecer , posteriormente, a economia acaba por empobrecê-la.

Impostos e obras públicas
Outro ponto abordado por Bastiat é a questão dos impostos. Ao cobrá-los para pagar seus funcionários, o Estado parece garantir renda e riqueza, pois eles irão gastar em outros setores, ou seja, aumentando a demanda agregada e gerando renda nesse novos setores estimulados por esses funcionários públicos. 

Porém, esse dinheiro que flui para o aparato estatal só pode ser obtido à custa dos pagadores de impostos, que ficaram mais pobres ao terem que pagar seus deveres ao governo.

Nesse caso, também, o gasto realizado pelos funcionários públicos não agrega riqueza à economia, pois, caso os pagadores de impostos não tivessem de pagá-los poderiam gastar esse mesmo dinheiro em bens que mais lhes fosse proveitoso. Dessa maneira, o homem comum se torna mais infeliz, pois não pode comprar os bens de que mais necessita e ou mais deseja.

Pode-se ampliar o argumento para a questão da produção. Os impostos retiram dinheiro das empresas, o qual poderia ser gasto para ampliar sua capacidade produtiva, gastar com mais pessoas e máquinas. Como expõem Hazzlit:
A companhia não expande as operações ou expande somente aquelas que podem ser atendidas com um mínimo de risco.  As pessoas que reconhecem essa situação veem-se impedidas de iniciar novos empreendimentos.  Assim, antigos empregadores não mais empregam ou não empregam tantos quantos talvez empregassem; e outros resolvem não mais ser empregadores.  Maquinaria aperfeiçoada e fábricas mais bem equipadas passam a surgir muito mais lentamente, dada essa situação.  O resultado, a longo prazo, afinal, é verem-se os consumidores impedidos de conseguir produtos melhores e mais baratos, e não haver melhoria nos salários.”

As obras públicas que são feitas com o intuito de gerar empregos e, portanto, aumentar a riqueza e a renda da comunidade também sofrem desse efeito do que não pode ser visto facilmente. Ao retirar recursos – capital e mão de obra - do setor privado, o Estado e as obras públicas impedem que os empresários invistam na produção de bens que a população pode necessitar mais urgentemente. Novamente, Hazzlit vai ao ponto:
“Nisso, os responsáveis pelo dinheiro público, outra vez, levam a melhor na discussão com todos aqueles que não sabem ver, além do alcance imediato de seus olhos.  Podem ver a ponte.  Mas, se tiverem aprendido a perceber as consequências indiretas da mesma maneira que as diretas, podem, mais uma vez, ver, com os olhos da imaginação, possibilidades que nunca chegarão a existir.  Podem ver casas não construídas, automóveis, rádios, vestidos e paletós não fabricados, e talvez alimentos não cultivados nem vendidos.”

Assim, as obras públicas e os impostos, seguinte essa lógica, não fazem mais do que tirar do setor privado e produtivo para repassar a um setor improdutivo – como argumentam alguns economistas liberais. Dessa maneira, obras públicas e gastos com o funcionalismo, mesmo que geram renda e aumentem a demanda – é o que se vê – apenas transferem recursos que poderiam ser gastos tanto por consumidores quanto por empresas para consumir/produzir bens mais satisfatórios e urgentes.

Protecionismo
Outra possível falácia é a do protecionismo. A intenção de impor tarifas aos produtos importados, pretende-se estimular a indústria nacional. É o que se vê. Porém, o que não se vê é que ao aumentar os preços dos bens importados, os consumidores ficam com menos recursos, pois precisam gastar mais com os produtos nacionais, os quais se beneficiam da proteção. Nesse sentido, o dinheiro extra gastado poderia ser destino a algum outro produto de outra indústria nacional, mas que não foi beneficiado da proteção oficial.

Dessa maneira, se o consumidor deixa de ter dois produtos, a indústria que não se beneficiou da política governamental sofrerá prejuízos, gerando menos renda e empregos. Por outro lado, a única beneficiada é o setor protegido. No entanto, a economia não ficou mais rica, no máximo ficou estagnada. É o que não se vê.

Crédito e inflação
Em um dos capítulos de seu livro, Hazzlit argumenta que o crédtio desvia a produção, no sentido de que o crédito público ao ser destinado a pessoas, para cujo risco é maior, a produção é desviada dos mais eficientes para os menos. Quando um banco público, por não precisar correr riscos, empresta recursos a um fazendeiro, por exemplo, cuja produção é ineficiente, para que ele compre máquinas e ferramentas para aumentar a produção, isso supostamente aumenta a produção e renda de toda a comunidade. É o que se vê.

O que não se vê, é que, como os recursos são escassos, estes serão alocados para esse fazendeiro mais ineficiente, enquanto um outro mais eficiente, que não foi beneficiado com o crédito estatal, ficará sem esses recursos para aumentar sua produção. Dessa maneira, a produção que foi gerada será de qualidade inferior do que seria caso o crédito fosse destinado ao outro fazendeiro. A economia não cresce e nem gerou renda como poderia. É o que não se vê.

Outra questão ligada ao dinheiro é a inflação. Argumentam os inflacionistas que ao aumentar a quantidade de dinheiro na economia, tal política irá estimular o consumo e a renda, o que gerará crescimento econômico. É o que se vê. Porém, isso beneficia apenas uma parcela da população.

Como demonstrou outro economista, Ludwig von Mises em “Seis Lições” (cap.4), a renda adicional será benéfica para aqueles que primeiro recebem esse dinheiro, pois poderão comprar produtos sem que os preços tenham aumentando ainda. Porém, com o passar do tempo, o aumento da circulação da renda nova fará com que os preços aumentem. Nesse sentido, os últimos que receberem aquela renda adicional não conseguiram mais comprar os produtos de que necessitam, pois os preços estão elevados. Assim, o aumento da oferta monetária não gerou benefícios a todos, mas a apenas uma parcela da sociedade que se apropriou, inicialmente, do dinheiro recém-criado.

O que se vê e o que não se vê
Como exposto com os exemplos, muitas das políticas econômicas são feitas com o intuito de estimular a economia e melhor o bem-estar da população, porém seus efeitos são benéficos apenas para uma determinada parcela da população (aquilo que pode ser visto), enquanto a maior parcela sofre com inflação, ineficiência, perda de empregos e et.( o que não pode ser visto)


Portanto, a lição de Bastiat torna-se fundamental para qualquer economista que deseja – independentemente de concordar com as ideias liberais expostas acima – entender e postular propostas para que o crescimento econômico e o bem-estar da população, e não de apenas uma parcela, estejam garantidos. É preciso ir além do que se vê. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Medicina socializada?

A saúde como um direito pode parecer uma proposta unânime, mas o debate em torno da medicina socializada é forte. Nos Estados Unidos, por exemplo, a saúde não é vista como uma política universal, em que todos devem ter direito a ela. Nesse sentido, cada um deve, por conta própria, cuidar de si. Aqueles que podem pagam por plano de saúde, aqueles que não, ficam à mercê, ou de hospitais voluntários ou não lhes resta mais nada a não ser conseguir dinheiro para pagar pela saúde. Em outros países, não há custos para entrar em um hospital e ser atendido.

Em Sicko, o controverso cineasta Michael Moore procura contrapor essas visões de saúde. Ele faz uma feroz crítica aos planos de saúde americanos, na qual prevalece a lógica dos mercados em busca de lucro, e a esse tipo de concepção de saúde privada, a qual deve ser paga cada vez que alguém necessita de cuidados médicos. Por outro lado, tece louvas aos sistemas públicos de saúde, em que o cidadão, independente da renda, pode ser atendido de maneira adequada.

Moore, no caso dos Estados Unidos, se foca em como a lógica da maximização dos lucros seria perversa: em busca de evitar altos custos com determinadas cirurgias e outros tipos de cuidados, os médicos procurar ao máximo recusar os pedidos que podem reduzir os lucros dos planos. Nesse sentido, pacientes que precisariam de atendimentos para poderem sobreviver simplesmente ficam à mercê, sem poder serem atendidos. Em alguns casos, esse descaso em busca de maiores lucros leva à morte.

Para contrapor, Moore procura exemplos de outros países como Canadá, França, Inglaterra e Cuba, nos quais há serviços públicos de saúde. Nesse sentido, qualquer um pode ser atendido, independentemente da renda. Mesmo sendo hospitais públicos, os médicos ganham bem (segundo um entrevistado por Moore, mas não seria apenas uma exceção?), a infraestrutura é de alta qualidade, o tempo de espera é curto e os medicamentos são extremamente baratos (Na Inglaterra, os preços são fixos.), diferentemente dos Estados Unidos.

Um direito universal

A questão da saúde socializada (assim como demais direitos) parte de uma questão moral em relação à solidariedade entre os cidadãos de um país ou comunidade. Ao pagar impostos, o indivíduo não paga somente para ele obter saúde, mas para que outros também possam usufruir de um hospital, mesmo que estes últimos não paguem impostos. Mais precisamente: um cidadão rico paga para que, não só ele, mas um pobre que não paga impostos possa ter direito a ser atendido em um sistema público de saúde.

Ou seja, o Estado deve garantir, nesse tipo de argumento, que todos os seus cidadãos possam receber o mesmo tipo de tratamento, independente da renda, e sem que precisem pagar por ela – apenas impostos. 

Portanto, o argumento em prol da saúde socializada é de que a sociedade, nesse caso, é mais importante que o indivíduo isolado. Tirar recursos de alguém para construir um hospital ou fazer uma cirurgia para outra pessoa significa que o direito à propriedade individual – nesse caso, o dinheiro tributado – é suplantado pelo direito da sociedade.

Em outro ponto, a saúde, por ser um direito, nesse caso, não pode ser deixado aos mecanismos de mercado, ou seja, da maximização pelo lucro. Pois, como demonstrado por Moore, os planos de saúde podem se recusar a fazer determinados procedimentos, os quais sejam custosos e, portanto, diminuam os lucros. Assim, somente o governo, que não tem interesses de lucro, pode implementar um sistema de saúde adequado – ou seja, socializar a saúde.

A economia da medicina socializada

Mas será que a saúde seria mesmo um direito ou mesmo que um sistema social de saúde é tão eficaz quanto propagou Michael Moore? Alguns pensam que não. O primeiro argumento contra uma medicina socializada parte do princípio já exposto de que alguns indivíduos não devem pagar pela saúde (ou de direitos) de outros. A afirmação pode ser árdua, mas parte da questão que, para os liberais mais “radicais”, não existem direitos fora do âmbito das trocas voluntárias, com a exceção da propriedade, vida e liberdade. Por que deveria um rico pagar pela saúde de alguém mais pobre, por exemplo?

Mas esse, talvez, nem seja o argumento mais utilizado, até pelo fato de que o argumento moral, muitas vezes, não consegue ser discutido da melhor maneira possível, devido às paixões. Portanto, o argumento econômico é o mais utilizado nesses casos, nesse caso, sendo mais racional.

Argumentam os críticos de um sistema de medicina socializada que, como todo serviço governamental, a saúde pública não seria um serviço adequado. Por serem aparentemente gratuitos, os serviços públicos têm suas demandas aumentadas – tendem ao infinito se é possível afirmar isso – de maneira exponencial. Nesse sentido, como a demanda por esses bens é muito superior aos custos que o governo pode cobrir, deverá haver algum controle ou corte de gastos em determinados segmentos.

A consequência disso é que determinados atendimentos ou não poderão ser ofertados ou serão prestados a uma qualidade inferior, por exemplo: o tempo de espera será muito maior ou o próprio atendimento será feito com equipamentos mais precários. Dessa forma, o governo deverá escolher quais os setores da saúde devem ser privilegiados e quais terão que sofrer os impactos do corte gastos. Isso, obviamente, não condiz com uma medicina socializada.

A única maneira, pensando com a lógica libertária, seria deixar que o mercado resolvesse essa questão, vendendo um produto chamado saúde. Como as empresas privadas gerenciam melhor seus negócios do que o governo, e como há o incentivo do lucro, os serviços de saúde privada seriam, portanto, mais eficazes do que a medicina socializada. Restaria, nesse sentido, aos mais pobres buscar por hospitais voluntários, por exemplo.

Uma questão moral ou econômica ou ambos?

Esse debate sobre a medicina socializada, defendida por Moore em seu documentário, e seus críticos, como os libertários, leva em conta questões morais e econômicas que precisam ser discutidas. É legítimo alguém seja roubado – pelo governo, no caso – para que outros possam usufruir determinados serviços? Mas, por outro lado, até que ponto, em determinados casos, os interesses do indivíduo – em ter que pagar impostos – se sobrepõe à sociedade?

E quanto à questão econômica: pode o governo oferecer serviços de saúde – ou de qualquer outra natureza – de qualidade, como, segundo Moore, os exemplos do Canadá, França e Inglaterra mostram? Ou, até que ponto o serviço nesses países são adequados, ou o SUS – Sistema único de Saúde – no Brasil é o melhor exemplo de como funcionaria a verdadeira saúde pública funciona.
O ponto é que sem se considerarem os argumentos morais e econômicos, o debate sobre se a saúde socializada é boa ou ruim não consegue atingir seus reais objetivos. Se por um lado, a questão moral é importante, a econômica – poderia o governo oferecer tais serviços? Os que defendem o planejamento estatal afirmam que sim; os libertários, que não – é relevante, também. De nada adianta apenas a moral sem a questão da economia e vice-versa.



terça-feira, 10 de setembro de 2013

Por uma história menos maniqueísta

Imagine, leitor, o senhor entrando em uma livraria e se deparando com um livro, cujo título é “O Guia Politicamente Incorreta da História do Brasil”, ou outro chamado: “Guia Politicamente Incorreto da América Latina”. Os títulos chegam a causar algum impacto, mas, imagine ainda, saber que alguns fatos históricos aprendidos em sala aula ou tão disseminados na cultura popular, na verdade não são assim tão simples, como, por exemplo: Che Guevara era um assassino e que não gostava de roqueiros. Ou que os negros também escravizaram outros negros. Esse são alguns exemplos que o leitor dos livros citados acima encontrarão, cujo autor Leandro Narloch – e Duda Teixeira, no “Guia Politicamente Incorreto da América Latina – não tem medo da polêmica e tenta mostrar uma visão histórica um pouco diferente dessa de que há sempre vilões e mocinhos.

A História é sempre mais complexa, porque ao lidar com uma ciência de caráter social e humano, nunca haverá essa ladainha como em programas infantis: heróis de um lado, sempre vítimas e em buscar de acabar com o mal, e de outro, vilões à procura de acabar com suas vítimas. Tratar o Mundo como se fosse apenas preto e branco, bom ou ruim, não se aplica na História. Quando falamos de acontecimentos passados, falamos de ações humanas e quando se tratam delas, não é possível tratá-las com falso simplismo.

Na introdução do “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, o autor descreve esse processo maniqueísta: “Nessa estrutura simplista, o único aspecto que importa é o econômico: o passado vira um jogo de interesses e apenas isso.” Confundir o estudo e a visão complexa da história e deixar de lado o simplismo não é dizer que o estudo da História deve ser totalmente objetivo, pois a total objetividade é impossível tratando-se de seres humanos. O que esses dois livros querem passar é que a História deve ser estudada e analisada a fundo, buscando compreender pensamentos da época, o que de fato acontecia, e não ficar repetindo os mesmos e velhos chavões.

Ao tratar o passado dessa maneira, pode-se cometer o erro de achar que analisando os acontecimentos de maneira mais crítica, o que se faz é negar alguns fatos trágicos. O caso dos negros, por exemplo. Ao dizer que negros, ao conseguirem sua liberdade, também escravizados é uma heresia em tempos politicamente corretos, e, principalmente, negar que os negros sofreram com a escravidão. É claro que os negros sofreram com a escravidão e ninguém pode negar isso – o próprio livro não o nega. A questão é a de que os negros não foram somente vítimas, mas como fizeram parte da escravidão pelo lado dos senhores também. Em um dos trechos em que o autor trata sobre as mulheres escravas que conseguiam suas liberdades, ele diz: “[...] assim que conseguiam economizar para comprar alforria, o próximo passo de muitas negras era adquirir escravos para si própria.” Não é a negação de tudo, mas apenas mostrar que a escravidão não foi algo tão simples assim para explicado de forma simplista e maniqueísta: brancos – vilões – e negros – vítimas.

No caso dos índios, o mesmo aconteceu, já que algumas tribos ajudaram os portugueses a derrubar outras tribos inimigas ou também que que os próprios indíos devastavam as florestas, diferentemente daquela imagem pura e épica: “As tribos que habitavam a região da Mata Atlântica botavam o mato abaixo com facilidade, usando uma ferramenta muito eficaz.”  No caso dos índios da América Espanhola, alianças com os colonizadores e comemorações quando se derrotava um tribo ou um império, como os Astecas, eram comuns: “Boa parte dos povos andinos ficou aliviada com a execução [do imperador Atahualpa] e comemorou a queda dos incas”. Não que isso justifique a postura cruel dos espanhóis diante dos Incas ou de qualquer outro povo, mas a questão é a de que os índios nem foram tão vítimas, como também não foram vilões, e sim, foram agentes de sua própria história.

Outros dois grandes mitos retratatos são os de Che Guevara e Símon Bolívar, ambos retratados como grandes heróis da América. É verdade que os dois tiveram papéis decisivos na Revolução Cubana e na Guerra de Independência, respectivamente. Mas tratá-los como heróis implacáveis e como símbolos máximos de um continente já é um pouco de exagero, ainda que tenham sido grandes personalidades. O guerrilheiro argentino fuzinou mais do que centenas de pessoas em nome de um ideal – para alguns utopicos, mas pouco importa, matar por uma ideologia, por qualquer que seja, não deve servir de justificativa. Ele pregava tais atos como motor da revolução. Leandro Narloch e Duda Teixeira citam um discurso de Che: “O ódio como fator de luta, ódio intransigente ao inimigo, que para além das limitações naturais dos ser humano o converte em uma efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar. Nossos soldados têm de ser assim; um povo sem ódio não pode triunfar sobre o inimigo brutal.” O herói da juventude, também era contra a liberdade artística e contra a própria contracultura: “O novo governo logo limitou a liberdade artística e passou a perseguir hippies e roqueiros.

Simón Bolívar, tido como herói da independência, foi uma figura realmente importante para o que hoje conhecemos como América Latina, ajudando em sua libertação política. Porém ele defendia claramente uma ditadura, como ele mesmo disse: “Estou convencido do tutano dos meus ossos que a América só pode ser governada por um despotismo hábil.” Hoje tido com um ídolo da esquerda latino-americana, Bolívar era cultuado por ditadores intitulados de “direita”como Mussolini, que o descreveu como “herói honesto, empurrado por uma energia incontrolável e às vezes cruel, semelhante à que animava aos primeiros conquistadores, digna de sua própria linhagem.” O libertador tinha o mesmo pensamento fascista de 
Mussolini: “Se a minha morte contribuir para que acabem os partidos políticos e se consolide a União, eu baixarei tranquilo ao sepulcro.”


Portanto a história não pode ser tratada no velho maniqueísmo, mas deve interpretar e analisar profundamente os fatos e não ficar presa aos velhos chavões. Deve-se libertar das ideologias que pretendem apenas doutrinar e manipular, seja ela de cunho socialista, capitalista, e se focar nos fatos da maneira mais complexa possível. Também não precisa ser totalmente politicamente incorreta, mas sendo menos maniqueísta, já está de bom tamanho. 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A hegemonia lulista e o precariado

O período lulista foi caracterizado por uma melhora na distribuição renda, principalmente a partir de programas de transferência de renda, como o bolsa-família. Porém, em trabalhos recentes, o sociólogo Ruy Braga demonstra como a hegemonia lulista ajudou a solapar as bases sindicais dos países e como as políticas econômicas ajudaram a criar consentimento no precariado brasileiro.

Em “A política do precariado”, esse sociólogo demonstra como o capitalismo periférico, através do sistema fordista, apesar de trazer certas melhoras para esses trabalhadores não e semi-qualificados melhoras materiais, até devido à mudança do campo para a cidade, não trouxe melhorias de vida consideráveis. A regulação populista dos sindicatos ainda assim não conseguia conter certa insatisfação social.

Nos anos 70, a deterioração das condições do trabalho e os baixos salários, a inquietação social aumentou. Os sindicatos perceberam que era o momento de agir de maneira combativa contra o que Ruy Braga chama de aliança empresarial-militar.  Não à toa, os sindicatos, tanto sua alta esfera com suas bases, agiram de maneira a confrontar a situação dos trabalhadores e a situação política no Brasil.

Porém, com a derrota no início dos anos 80, o sindicalismo dos metalúrgicos percebeu que essa atitude combativa poderia minar todo seu poder burocrático – como escreveu o sociólogo – e no período da hegemonia lulista, os sindicalistas se fundiram ao Estado para gerir fundos de pensão. Assim, os sindicalistas, antes combates da aliança empresarial-militar, agora, através do dinheiro desses fundos, ajudam a fazer grandes fusões e a permitir o investimento capitalista.

Como Ruy Braga demonstra hoje como precariado brasileiro está fortemente ligado ao setor de telemaketing, em que prevalecem condições de baixa remuneração (1,5 salários mínimos), alta rotatividade e algumas condições precárias de trabalho. Por outro lado, o sociólogo mostra certo apoio diante das políticas governamentais e da própria adaptação a esse tipo de trabalho.

Ou seja, a hegemonia lulista transformou a política sindical no avesso: ao cooptar sindicalistas para o Estado e através das políticas econômicas, a inquietação social se reduziu e, em contrapartida, o consentimento do governo aumentou. A postura combativa dos sindicatos foi substituída pela aceitação.

Mesmo assim, nos últimos anos as greves aumentaram – como nas obras do PAC, por exemplo – mostrando que esse consentimento não pode ser permanente, pois apesar da satisfação com certo progresso material, as condições de trabalho continuam precárias, o que tem gerado insatisfação nesses trabalhadores, inclusive nos teleoperadores, os quais parecem estar construindo uma nova consciência de classe, segundo Ruy Braga. Como este afirmou em entrevista: “Meu argumento é de que o precariado está inquieto, isto é, percebe que o atual modelo trouxe certo progresso, mas conclui que este progresso é transitório.”
           
Se o lulismo conseguiu amenizar a inquietação social, esta continua presente no precariado brasileiro. Por mais que a política econômica e a cooptação dos sindicatos tenha gerado o consentimento diante das condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo e pelo modelo pós-fordista financeira, os trabalhadores estão começando a se inquietar. A dialética da hegemonia lulista não vai durar para sempre. A história ensinou que quando os trabalhadores foram fortes, mudanças importantes aconteceram no seio da sociedade brasileira.



terça-feira, 27 de agosto de 2013

Von Mises, pensador da liberdade econômica

O professor Ludwig von Mises foi o mais consistente e o mais brilhante economista e pensador da chamada Escola Austríaca de economia. Von Mises não só discutia, em seus livros, a economia, mas também questões filosóficas e sociais, principalmente, em relação ao liberalismo econômico e político.

Mises, tanto em seu pensamento político quanto econômico, poderia ser definido como um liberal clássico: defendia que o mercado deveria ser deixado livre para que pudesse se autorregular em contraposição ao intervencionismo, mas, ao mesmo tempo, como deixa claro em sua obra “Liberalismo” defendeu a necessidade do poder de coerção do Estado para que a cooperação social pudesse ser mais harmoniosa. 

Como ele mesmo escreveu em seu já citado livro (“Liberalismo”):
“Alguém tem de estar em condições de exigir da pessoa que não respeita a vida, a saúde, a liberdade pessoal ou a propriedade privada de outros, que não obedeça às regras da vida em sociedade. É esta função liberal atribui ao Estado: a proteção à propriedade, a liberdade e a paz.”

Infelizmente para os liberais da tradição austríaca, o pensamento econômico e político de von Mises ainda está marginalizado face a outros economistas de cunho liberal, como Hayek e Friedman. Porém, nos últimos a redescoberta da Escola Austríaca fez com que o nome desse importante liberal, assim como suas obras, chegasse ao debate público entre os defensores do mercado contra os intervencionistas e socialistas.
Mises relacionava liberdade com moralidade no sentido de que todos os preceitos éticos devem supor indivíduos autônomos e conscientes. Em um regime de escravidão, o escravo não é dono de si mesmo, portanto é obrigado a obedecer cegamente seu mestre. 

Os fundamentos econômicos da propriedade, da paz e da liberdade
          
  No capítulo I de “Liberalismo”, Mises discute a necessidade da divisão do trabalho para que se aumente o bem-estar material da população, já que o liberalismo não deve se ater a questões religiosas ou espirituais. A divisão do trabalho permite a especialização e ,portanto, maior produtividade. Tal como na fábrica de alfinetes de Smith, se cada um produzir uma determinada parte o número de alfinetes fabricados por dia será muitas vezes maior do que se um indivíduo fizer o todo.
           
Porém, a divisão do trabalho não basta para gerar bem-estar material, é preciso que exista a propriedade privada dos meios-de-produção, pois sem ela a produtividade seria muito menor. Como Mises demonstra em outra obra “Socialismo”, se os meios-de-produção tornarem-se coletivos (na figura do Estado), então será impossível se realizar o cálculo econômico, necessário à produção de bens.
            
Em um sistema que preza pela eficiência econômica, o trabalhador deve ser livre para que este possa ser muito mais produtivo, pois ele sabe que será melhor remunerado. Como próprio Mises escreveu, “ele [trablho livre] é capaz de criar mais riquezas para todos do que o trabalho escravo pode oferecer aos senhores.” Ou seja, em um sistema livre, o trabalhador é e deve ser livre para escolher seu local de trabalho. Se o salário que um determinado emprego não agradar, o trabalhador pode escolher outro que pague melhor.
           
A paz, segundo Mises, deveria ser buscada, não apenas por questões humanitárias, mas por que a guerra dificulta a divisão do trabalho e as trocas voluntárias. Se em uma determinada cidade, duas facções – sapateiros e ferreiros – entrarem em conflito, cada uma das partes ficará sem os produtos de que necessita. (Por exemplo, os sapateiros ficaram sem ferramentas e os ferreiros sem sapatos) O comércio mundial, fruto do liberalismo, necessita que exista paz para que as trocas comerciais possam ser realizadas.

Democracia dos consumidores e eleitores
           
Em um sistema que preze pela liberdade econômica, os soberanos são os consumidores. A liberdade de escolha por parte destes faz com que os melhores empresários continuem atuando no mercado e os piores sejam eliminados. É dessa forma que se garante a liberdade econômica, em que os detentores das empresas necessitam agradar aos consumidores para sobreviverem.
Ou seja, nesse sistema de liberdade de escolhas, não há posição garantida, em que os mais ricos hoje podem perder tudo amanha, enquanto aqueles que não têm recursos hoje podem ascender socialmente, basta que agrade os consumidores. O mesmo acontece na política, em que o político só será eleito será agradar seus eleitores.
           
Em Os fundamentos econômicos da liberdade, Mises argumenta:
            “ Se ele quiser ter êxito no mercado, terá de satisfazer os consumidores; se quiser ter êxito na vida política, terá de satisfazer os eleitores. Esse sistema trouxe aos países capitalistas da Europa Ocidental, América do Norte e Austrália um aumento demográfico sem precedentes e o mais alto padrão de vida jamais visto na história. O cidadão médio, sobre o qual tanto se fala, tem hoje à sua disposição amenidades e confortos com os quais os homens mais ricos das eras pré-capitalistas sequer sonhavam.
            
Em um sistema, em que os meios-de-produção estejam nas mãos do Estado, não haverá diversificação dos produtos, pois haverá apenas um produtor, o que impede com que os indivíduos sejam livres para escolherem os produtos que mais o satisfaçam. O mesmo poderia ser aplicado na política, em que um regime, no qual só há um partido, como os eleitores poderiam escolher políticos preferidos? Dessa forma, tanto a liberdade econômica e política seriam obstruídas em um sistema, no qual os meios-de-produção pertençam ao Estado.

Mises contra o intervencionismo

Nessa questão do trabalho, Mises defende não somente o trabalhador livre em contraposição do escravo como argumenta de maneira contrária às políticas intervencionistas, por parte dos sindicatos e governo, no mercado de trabalho. Isso por que, ao se fixar salários mínimos para determinado setor, por exemplo, alguns trabalhadores serão demitidos e procurarão trabalho em setores, nos quais não há pressão sindical. Nesse caso, aumentar-se a oferta de mão-de-obra  nesse setores e os salários decaíram. Se a política do salário mínimo se estender a toda economia, então haverá desemprego. Em seu livro “Intervencionismo: uma análise econômica”, Mises afirma:
A contrapartida de maiores salários para os trabalhadores organizados é menores salários para a mão de obra sem poder de pressão.  Mas, logo que toda a massa trabalhadora consegue se organizar, a situação muda.  Quando isso ocorre o trabalhador que perdeu seu emprego na indústria onde trabalhava não mais consegue se empregar em outra função; permanece desempregado.” (MISES: 2010)
          
  Outra interferência do governo se refere ao controle de preços. Mises afirma que os preços são uma “tendência a equilibrar a oferta e a procura.” Sempre que o governo agir no sentido de controlar os preços haverá desequilíbrios, em que, no caso de preços máximos haverá escassez de produtos e apenas algumas pessoas terão acesso a eles. (Isso acontece porque ao tentar limitar um preço máximo, o produtor terá de cortar gastos, o que reduzirá sua produção.) Os preços, portanto, devem ser deixados livres para que não existam desequilíbrios.
            
Mises defende a liberdade econômica, portanto, porque, segundo ele, esse sistema não privilegia determinado grupo em detrimento da população em geral. (Como no caso do protecionismo, em que as empresas protegidas ganham à custa dos consumidores, que terão de pagar maiores preços)
            “O que justifica a economia de mercado não são os interesses de alguns grupos, mas sim a preocupação de proporcionar o maior bem-estar para o maior número.  Não é verdade que os que apoiam o regime de economia de mercado livre sejam defensores dos interesses egoístas dos ricos.” E conclui Mises: “A economia de mercado é recomendável não porque seja do interesse dos ricos, mas por ser mais conveniente para o povo em geral.”
           
Ou seja, enquanto as interferências governamentais geram desequilíbrios e distorções econômicas. O intervencionismo é indesejável, porque fere os princípios da liberdade econômica, fazendo com que empresas e os consumidores sejam prejudicados. No caso das intervenções governamentais (no caso dos salários, do controle de preços, protecionismo e até da inflação), a supremacia do consumidor e a eficiência econômica são colocadas de lado para que as ações governamentais possam ser realizadas.

Em defesa da liberdade econômica
          
  Mises foi um dos grandes economistas que defenderam a liberdade econômica. Partindo de pressupostos de que a sociedade deve ser livre para que exista maior produtividade e melhor bem-estar material, assim como indivíduos devem ser livres para poderem escolher aquelas empresas que melhor o satisfaçam. O mercado, também, deve ser deixado livre para que não existam graves desequilíbrios, como escassez e desemprego.

           
Se a liberdade econômica necessita de seus intelectuais para se justificar, as lições de Mises foram e podem são preciosas para aqueles que defendem esse regime econômico em contraposição ao intervencionismo e o socialismo. Mesmo que ainda não muito reconhecido nos debates, para os defensores do liberalismo – principalmente para os da tradição austríaca - , Mises está à altura (ou acima) de liberais como Hayek e Friedman. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O elo entre regimes autoritários e a sociedade

Tanto na história como em muitos debates sobre os regimes autoritários, o maniqueísmo entre as resistências (sociedade) e os vilões ditadores (Estado) tenta eliminar a parcela de culpa da sociedade para com tais governos. O próprio debate sobre a corrupção, nos dias atuais, tenta colocar a culpa unicamente na classe política, dando a impressão que o próprio povo é sempre contra e não como um dos atores no filme da corrupção e dos governos ditatoriais. Essa velha tática do maniqueísmo pode ser útil para criar heróis, mas não deve ser considerado em uma análise mais profunda sobre a história e a realidade. Afinal, o mundo é bem mais complexo.

É dessa maneira que se pode resumir a série de três volumes organizados pelas professoras Denise Rollemberg e Samantha Viz Quadrat, denominado “A Construção Social dos Regimes Autoritários”. A história desses regimes na Europa, América Latina, África e Ásia mostra de maneira brilhante como a sociedade tem sua parcela de responsabilidade pelo que ocorreu em sua história. Neste livro, o maniqueísmo perde sua beleza e os textos presentes colocam o dedo na ferida em se tratando de regimes não-democráticos.

 Na introdução, questiona-se quando se diz que os governos autoritários se legitimaram através e apenas pelo uso da força. “Por muito tempo, a ênfase das abordagens das experiências esteve no poder das forças coercitivas; o ângulo de obervação do historiador, o Estado; o objeto a ser valorizado, a resistência. O principal problema que as interpretações colocaram, provavelmente, é não ter compreendido os regimes autoritários e as ditaduras como produto social.”

A sociedade não é uma entidade passiva, mudando muitas vezes de lado de acordo com o momento. O caso do Irã é bem claro. Aqueles que apoiaram o Xá, o fizeram pelo lado econômico positivo, conquistado através da “ocidentalização”do país. O governo também conquistou apoio dos grupos liberais, ao mesmo tempo em que sua proposta de nação também lhe dava adeptos da parte conservadora da sociedade. Com o tempo e o aumento das repressões do governo Xá, as idéias de dar mais poder ao Islã( já que a “Revolução Branca” feita por Reza Pahlavi buscava por criar uma sociedade laica) começava a ganhar força. Além do mais, o progresso à imagem do Ocidente começaram a perder força. A sociedade iraniana preferia, agora, o lado de Khomeini, o qual tinha uma proposta de nação bem diferente da do Xá.

Murilo Meihy, autor do artigo, descreveu esse processo: “Por isso não há como defender a ideia de que o Irã sempre esteve fadado às artimanhas do poder exercido de forma arbitrária. Ainda que a Ásia continue lamentavelmente sendo vista como um espaço para o despotismo, é inegável que a política do Irã não possa ser vista como um drama assistido passivamente pelo seu povo.”

As sociedades são diferentes, o que cria diferentes tipos de consenso. O bem-estar econômico e social são fatores importantes na legitimação, mas não são os únicos diante do complexidade do contexto social. Nem sempre a economia foi fundamental para legitimar, pois se somente ela define a continuidade e queda de um regime, países menos prósperos como Cuba, por exemplo, não haveria qualquer tipo regime autoritário há anos. Outros elementos são importantes, tais como: o nacionalismo e o anti-imperialismo são fundamentais para os regimes comunistas e socialistas como Cuba e Coréia do Norte – este último baseando-se na tríade: Memória, sagrado e encantamento. Dentre outros elementos e fatores que sustentam ditaduras ao redor do Mundo.
           
Na Alemanha Nazista não foi apenas a doutrinação ideológica que deu consenso ao governo de Hitler, mas a prisão dos chamados “marginais sociais”, como bandidos, prostitutas, e posteriormente os judeus entraram nessa classificação. Robert Gellately descreveu sobre esse elemento da consolidação nazista: “Apesar disso tudo, muitos que viveram o período tiveram a impressão, não apenas devido aos festivais, às promessas para o futuro e à exibição inebriante, mas exatamente devido aos esforços impendiosos para combater os marginais sociais.”

 Denise e Samantha, as organizadoras, escreveram dois artigos sobre a Associação Brasileira de Imprensa e sobre a juventude no contexto chileno, respectivamente, mostram que uma instituição – como a ABI e/ou a juventude – não são unânimes e muitas vezes há discordâncias ou pensar-duplo. Sobre a ABI, instituição tida como uma forte resistência durante a ditadura militar brasileira, Denise escreve:

“Inspirada em Laborie [outro pensador que escreve para o livro], diria que a ABI não foi, primeiro, defensora dos militares , e, depois resistente à ditadura, como foi Ulysses Guimarães. A recuperação das discussões e embates, cujo eixo foi a liberdade de expressão e de jornalistas, até o desencadeamento do projeto de abertura política Geisel Golbery, indica que esteve mais próxima do penser-double do que a trincheira do inexpugnável. Não era coesa, abarcava embates que desapareceram da memória. Mas, sobretudo, era ambivalente, capaz de ser a favor e contra os militares ao mesmo tempo.

 Sobre a juventude chilena no contexto da década de 70, havia embate entre os mais “progressistas”que defendiam o governo de Salvador Allende e outros, contrários a ele e que ajudaram a legitimar o governo Pinochet. Samantha descreve que a juventude não pode ser um conceito homogêneo. Ao falar em juventude é preciso ver as diferentes visões, diferentes classes e, se podemos dizer, outros tipos de sonhos. No Chile de Allende, os jovens não eram tão progressistas e sonhadores como a juventude é na maior das vezes caracterizada, mas havia jovens mais conservadores e que de maneira alguma apoiaram a Unidade Popular chilena.

Ao observar a história de uma maneira mais complexa é possível ver os erros que foram cometidos de forma mais abrangente. O trabalho realizado nos três volumes não quer negar a importância das resistências, que tiveram seu papel, mas tentar mostrar que a própria sociedade, entendida como resistência, por momentos desejou ou legitimou ditaduras. Em algumns lugares, até aqueles que eram contrários a tais governos acabaram por se silenciar também ao invés de lutar. Assim como a juventude no caso chileno, o contexto social nunca é homogêneo, mas bem mais heterogêneo e complexo. O elo entre a sociedade e os regimes autoritários é bem mais próximo do que se imagina. 


terça-feira, 13 de agosto de 2013

O crepúsculo da indústria brasileira

 O processo de desindustrialização pode ter chegado à níveis dramático: a participação da indústria de transformação no PIB de 26, 54% em 1990 decaiu para 13,25%, segundo os dados do IPEAdata. Economistas das mais diversas correntes concordam que esse processo está acontecendo. Mais do que discutir essa questão é se questionar o por que da ocorrência desse fenômeno, o qual tem grandes impactos na economia em geral, tanto na geração de empregos como na riqueza produzida.

 Dois preços-chaves, os quais têm suma importância para a indústria sofreram impactos que tiveram como consequência a fragilização da indústria nacional: o câmbio e o juro básico. Este primeiro vem sofrendo apreciações depois do Plano Real, mas com o surto das commodities dos últimos anos, e o segundo, em que os juros no Brasil, por mais que as recentes quedas fossem importantes ainda estão longe de um patamar “civilizado”, como dizem alguns economistas.

  A liberalização econômica dos anos 90 expôs uma indústria nacional acomodada, devido à falta de concorrência de décadas de extremas proteção. A abertura comercial fez com que empresas, antes soberanas no mercado nacional perdessem para a concorrência. O exemplo clássico é o setor de brinquedos, em que os nacionais foram perdendo espaço para os chineses. Assim, o fator China e outros países asiáticos, cujas políticas estão direcionadas  à exportação de bens manufaturados a baixos preços (devido ao baixo custo da mão-de-obra) gera, de certa forma, uma concorrência desleal. Afinal, que indústria, principalmente nos países periféricos, pode concorrer com a China hoje?

Mas o principal efeito da liberalização foi o seu efeito financeiro, em que se abriu para a entrada de capitais externos. Nesse sentido, com o intuito de atrair tais capitais, praticou-se (e ainda se pratica) a política de juros altos para beneficiar esses rentistas. A taxa de juros atua no duplo sentido de reduzir a inflação e como incentivo à atração de capitais estrangeiros.  Não só os juros altos impedem o investimento, principalmente na indústria de transformação, a qual requer alto volume de formação bruta de capital fixo (FBKF), impede que o governo possa fazer investimentos com o intuito de melhorar a infraestrutura do país.
            
Por outro lado, segundo alguns economistas renomados, como Bresser-Pereira e Luiz Gonzaga Belluzzo, o motivo principal do crepúsculo da indústria nacional seria o câmbio apreciado, o que dificulta  não só uma política de exportação desses bens manufaturados nacionais como tornam mais baratos (em reais) os produtos importados, principalmente os chineses, como já exposto acima.

A valorização cambial não estaria somente relacionada à liberalização financeira, mas, também, com a doença holandesa, em que a exportação de commodities fez com que entrassem vultosas somas de dólares na economia nacional, o que apreciou o câmbio nacional. Nesse processo, a doença holandesa transfere a mão-de-obra e recursos para setores que geram baixo valor agregado em detrimento dos setores que geram alto valor agregado, como a indústria de transformação. Quando não acompanhada de medidas de neutralização dessa entrada de dólares na economia, as políticas de vantagens comparativas tendem a fragilizar a indústria nacional, como vem ocorrendo.

Ou seja, todas as políticas econômicas de liberalização da economia, das vantagens comparativas e de juros altos levaram à indústria brasileira a uma situação dramática. Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Sérgio Gomes, em um artigo denominado “A longa marcha para a insensatez”, demonstram como as políticas dos anos 90 estão produzindo esses efeitos nefastos para a indústria nacional.
“Na vida real, a abertura comercial com câmbio valorizado e juros altos suscitou, porém, o desaparecimento de elos das cadeias produtivas da indústria de transformação, com perda de valor agregado gerado no País, decorrente da elevação das importações, sem ganhos nas exportações, em cada uma das cadeias de produção.”

 A retomada da força industrial brasileira, em seu atual estágio dramático, requer certas políticas não muito agradáveis, as quais podem gerar certos conflitos. Seria necessária que taxas de juros fossem adequadas a ponto de tornar o investimento social mais interessante. Por outro lado, o Banco Central deveria atuar no mercado cambial a ponto de administrar o câmbio de maneira a evitar os impactos dessa concorrência desleal, a qual permitiria a indústria nacional voltar a ter forte peso na geração de riqueza. Mas, isso requer uma escolha de Sofia: ou a indústria nacional volta a ter importância ou a economia brasileira terá de suportar algum grau de inflação.