sábado, 30 de março de 2013

Da glória ao chumbo : A economia mundial no Entreguerras


INTRODUÇÃO: A VITÓRIA DA ORDEM LIBERAL BURGUESA E A INGLATERRA COMO OFICINA DO MUNDO
                Denominado por Eric Hobsbawn de “A era da catástrofe” o período que se inicia em 1914 e chega ao fim com o término da II Guerra Mundial, em 1945 talvez tenha sido um dos períodos mais trágicos da existência humana. Guerras e crises levaram a tragédia humana a níveis assustadores. A economia mundial teve um papel salutar nesse período, pois não apenas durante a catástrofe, mas posteriormente o mundo anterior à I Guerra Mundial veio a ruir. Em sua obra magistral denominado “ Os anos de chumbo” (Editora Unesp\Edições Facamp), o professor Frederico Mazzucchelli traça um panorama das principais economias mundiais nesse período.
                O professor Mazzucchelli inicia sua obra demonstrando como era a ordem anterior à guerra. Sem dúvida, era o mundo da ordem liberal burguesa do século XIX, em que o liberalismo econômico reinava na figura da Inglaterra. Devido à precocidade de sua revolução industrial, ela conseguiu desenvolver sua indústria muito antes dos demais países europeus. “Os homens práticos”, os quais o autor chama atenção, foram aos poucos adquirindo conhecimentos e incorporando-os à produção, devido à simplicidade da tecnologia. A concorrência era aberta a quase todos, já que não eram necessários grandes somas de capital para a indústria. Tanto que nessa fase do capitalismo (originário)os bancos ingleses não eram uma força interna, já que os industriais conseguiam investir na produção apenas com a acumulação interna de lucros.
                A produção da indústria têxtil, a qual revolucionou o modo de produção, era voltada para o exterior, principalmente para suas colônias. A própria dinâmica da indústria têxtil permitiu o desenvolvimento dos setores de bens de capital (Departamento I). Graças ao desenvolvimento desse departamento foi possível desenvolver o ciclo ferroviário, que permitiu uma melhor mobilidade e a redução dos custos, se diferenciou do ciclo têxtil, pois para a construção dessas ferrovias não bastava apenas a acumulação interna de capital feita pelas empresas. Nesse sentido os bancos tiveram um papel fundamental na concessão de crédito.
                Do desenvolvimento da indústria têxtil culminando na ferrovia, a Inglaterra desenvolveu-se de maneira excepcional. Voltada para o exterior, seus bancos e indústrias ajudaram a financiar as industrializações atrasadas, principalmente na Alemanha e Estados Unidos. Seja através do crédito bancário, das exportações de máquinas e de trabalhadores especializados, que conheciam a tecnologia simples necessária para a produção, a Inglaterra tornou-se, dessa maneira, a “Oficina do mundo”, pois ela quem comandava diretamente ou indiretamente a economia global. Mas sem dúvidas tal fato geraria sua própria contradição: com o apoio inglês, a indústria alemã e americana desenvolveram-se de maneira progressiva. A Inglaterra, antes potência soberana, via o surgimento de outras duas potências. Iniciar-se-iam as rivalidades que gerariam o ambiente para a I Guerra Mundial nasceram dessa contradição inglesa, que posteriormente decretariam o fim da “Oficina do mundo”. O mundo mudaria a partir de 1914.

O MUNDO JÁ NÃO É MAIS O MESMO: A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
                A primeira guerra foi uma tragédia, principalmente pelas mortes geradas durante a guerra como pelos traumas posteriores. Na economia e na política, seja durante ou depois da Grande Guerra, o mundo mudou: não era mais possível reconhecê-lo. A ordem liberal burguesa e a hegemonia inglesa deixaram de existir. Os anos de paz do século XIX acabaram nas trincheiras dos sangrentos conflitos. O mundo da glória dava lugar ao mundo do chumbo.
                Para enfrentar a guerra, os países abandonaram o liberalismo desenfreado e adotaram o planejamento estatal. Controles e a alocação de recursos e força de trabalho para os esforços de guerras, através do controle estatal determinou a morte do liberalismo econômico. A economia e a população estavam totalmente voltados para a guerra. Essa foi tônica do funcionamento da chamada economia de guerra.
                Alguns pontos econômicos da guerra se fazem necessários: a queda do abastecimento de alimentos e a inflação. Como demonstra o autor, os países envolvidos na guerra não conseguiam aumentar sua produção de alimentos, fazendo com que as importações fossem centrais para abastecer tais países.  Os mares foram decisivos nesse sentido: os bloqueios feitos pelos aliados comprometiam o abastecimento dos países centrais, como a Alemanha, enquanto os aliados conseguiam alimentos devido a enorme rede global, incluindo os Estados Unidos, países da América e a Austrália, que realizam tais exportações.  A inflação foi causada devido às enormes expansões monetárias, já que muitos países precisavam de recursos financeiros e nem sempre a via da tributação era viável. Os orçamentos se desequilibraram,  por conta dos enormes gastos com a guerra e a queda na tributação, algo impensável nos anos anteriores à guerra.
                Visivelmente após a guerra, o mundo mudara. A Inglaterra deixara de ser a “Oficina do mundo”, ou seja, perdera sua liderança global.  Esta se deslocou, aos poucos, para os Estados Unidos, uma potência isolada. O padrão-ouro, outro componente fundamental  para a ordem liberal burguesa tornara-se inviável, devido à emancipação das massas e pela necessidade da reconstrução pós-guerra, inviabilizando a defesa do câmbio valorizado.
                Após a I Guerra Mundial, a Era da Catástrofe entraria em uma nova fase: os anos 20 e 30. O Tratado de Versailles, o qual impôs duras sanções à Alemanha traria consequências ainda mais trágicas. Os vinte anos entre o fim da I Guerra Mundial e o início da II Guerra foram apenas um ensaio para esta última. A paz estava severamente comprometida.

O DESASTRE FRANCÊS: A FRANÇA NO ENTREGUERRAS
                A França foi um caso, de certa forma, trágico durante o período. Todos os países envolvidos diretamente com a guerra sofreram com a inflação e o desequilíbrio das contas públicas. Após 1921-1922, nos vários países (menos a Alemanha que viria a se estabilizar um pouco depois), a inflação estaria sob controle. Na França, não. A incerteza quanto à taxação de capitais, permitiu uma fuga generalizada de capitais e o refúgio em moeda estrangeira. A inflação decorrente da desvalorização do franco contaminou a economia francesa. Os setores envolvidos com exportação foram os únicos que conseguiram produzir e lucrar. Os outros, declinaram.
                A partir de 1928, a França volta ao padrão-ouro. Para isso, foram necessárias políticas contracionistas de redução dos déficits e da oferta monetária. Mesmo ao estabilizar a inflação e as finanças, a economia não se encontrou em uma espiral de crescimento, mas pelo contrário: o setor de exportações declinaria e a crise econômica de 1929 seria um choque para os franceses, que insistiram até em 1936 (diferente dos demais países) continuar com políticas contracionistas, o que inviabilizou o alívio. Somente a parti da guerra, sua economia voltaria a crescer de maneira sistemática.
                A França era uma nau sem rumo, como bem disse Mazzucchelli: ora o medo da taxação de capitais e, consequentemente, sua fuga; o retorno ao padrão-ouro que deveria trazer a estabilidade; ora os aumentos salariais que dentro do contexto inviabilizaram os investimentos industriais; ora os momentos de greve. A França foi um caso melancólico em meio a tempos melancólicos.

A OBSESSÃO FATAL PELO OURO: A INGLATERRA NO ENTREGUERRAS
                A Inglaterra precisava se reconstruir após a perda da hegemonia global. Toda a política econômica inglesa, como demonstra Mazzucchelli, visavam à volta do padrão-ouro: a nostalgia dos anos pré-guerra era evidente nas decisões econômicas. Mas a tentativa de voltar a ser a “Oficina do mundo” ou de reviver os gloriosos anos do século XIX tornaram-se uma obsessão fatal para a Inglaterra, comprometendo, inclusive, seu crescimento.
                O objetivo da Inglaterra era voltar à paridade entre libra e ouro, e para isso as políticas econômicas inglesas nos anos 20 foram de ampliar a deflação. Redução dos salários, juros elevados, contenção das despesas e aumento do fluxo de capital para a Inglaterra permitiram que as condições para a volta do padrão-ouro à sua paridade de antes da guerra fossem viáveis. Em 1925, a Inglaterra voltaria à paridade entre libra e ouro anterior à guerra, mas não sem graves problemas: as políticas de valorização da libra induziram à deflação, à queda das exportações e da produção industrial, além do aumento do desemprego. Mesmo com o crescimento após 1926, a economia inglesa não conseguiu mais do que um crescimento medíocre nos anos 20.
                Nesse contexto, houve uma mudança significativa na indústria inglesa: as antigas indústrias, como a têxtil, a do carvão, a do ferro e etc. ruíram. As políticas de substituição de importações, baixo dinamismo dos países periféricos, a concorrência internacional, novos produtos e a valorização da libra estagnaram as exportações inglesas. Porém,  esse foi o ponto de mutação: abriu-se espaço para novas e modernas indústrias, como a química, automobilística, a de fibras sintéticas, a de engenharia elétrica. A produção agora estava voltada para o mercado interno, diferentemente dos anos da ordem liberal burguesa, em que a produção era voltada para a exportação. Mazzucchelli lembra bem que essa transformação da indústria inglesa não foi algo consciente, mas foi resultado das políticas deflacionárias e de valorização da libra, as quais permitiram essa mudança industrial.
                O sombrio quadro do começo dos anos 30 de recessão, desemprego e fragilidade das contas externas inglesas forçaram a frequentes aumentos nos juros e a pedidos de empréstimos para França e Estados Unidos. Nesse contexto de crise, já não era possível mais manter o padrão-ouro: era a hora de abandonar por completo as lembranças de um passado que não voltaria mais. A libra se desvalorizou, permitindo que os juros fossem derrubados. A Inglaterra aumentou as tarifas protecionistas (o que nos anos da ordem liberal burguesa era inviável, já que a Inglaterra era defensores do livre mercado entre países.) Essa política de desvalorização da libra permitiu ao governo manobrar a política monetária e fiscal de maneira a diminuir os impactos da crise. Tanto que a Inglaterra não sofreu tanto quanto os outros países e conseguiu se recuperar de maneira rápida. Mesmo assim, como demonstra o professor Mazzucchelli, o crescimento inglês não foi nada excepcional, mas apenas modesto, com o desemprego ainda persistindo. Por mais que as políticas de livre mercado fossem deixadas de lado, a política fiscal inglesa não foi tão expansiva quanto deveria, o que fomentou esse crescimento medíocre e manteve o desemprego.

UM PAÍS HUMILHADO: A ALEMANHA NO ENTREGUERRAS
                A Alemanha saiu devastada da guerra não somente apenas pelas perdas humana e da própria guerra, mas foi acusada de ser responsável por ela e, portanto, deveria pagar reparações aos países aliados. Pior: a economia alemã estava completamente desorganizada e os grupos políticos radicais de esquerda e direita estavam cada vez mais ativos, causando instabilidade social. Para piorar, ainda mais, a França invadira, em 1923, o vale do Ruhr.
                A hiperinflação foi um momento trágico na história da Alemanha. Ao investigar suas causas, professor Mazzucchelli demonstra de maneira brilhante que a moeda é, antes de mais nada, uma convenção social, ou seja, é preciso que as pessoas acreditem que ela tenha algum valor. O pessimismo rondava os alemães, principalmente a partir de 1921-1922, em que se iniciaram o pagamento das reparações, em que ocorreu a partilha da Alta Silésia e a invasão do Ruhr pela França fizeram com que as pessoas ficassem incertas quanto ao futuro da Alemanha e nesse sentido começou a ter uma corrida por dólares, o que gerou, por consequência a desvalorização do marco alemão. Além do mais, a política fiscal e monetária expansionista ajudaram a desvalorizar o marco cada vez mais. Nesse sentido, a desconfiança quanto ao futuro “encontrou no desequilíbrio fiscal e na permissividade da política monetária os veículos que permitiram que a fuga da moeda local se materializasse sem nenhuma restrição”, escreveu de maneira brilhante o professor Mazzucchelli.
                A estabilização da moeda alemã se deu através da emissão de uma nova moeda (rentenmark), que deveria trazer de volta à confiança no futuro da Alemanha. As autoridades monetárias estavam dispostas a manter uma relação estável entre a nova moeda o dólar e o ouro.  Ao contrair o crédito para manter a paridade estável, o governo alemão pôde aumentar suas receitas e teve de controlar suas finanças. A economia alemã estava se estabilizando aos poucos.
                O Plano Dawes foi decisivo para estabilizar a economia alemã: esse plano permitiu o pagamento escalonado das reparações, Alemanha deveria pagar pelas reparações a partir de superávits, e, portanto, não poderia mais recorrer às expansões monetárias, alimentando o fantasma da inflação, para pagar as dívidas. As políticas econômicas do plano eram visivelmente deflacionistas, mas esse era o sacrifício a ser feito para manter a Alemanha no caminho certo.
                Esse plano Dawes acabou por despertar o interesse das finanças internacionais para a Alemanha. Assim, ela conseguiu pagar as reparações através dos empréstimos feitos pelos Estados Unidos, principalmente. Os empréstimos permitiram que, após 1926, a economia alemã crescesse, assim como os gastos públicos, fundamentais para revitalizar a economia. Porém, logo esse crescimento se desmancharia: o Plano Young que reformulou o Plano Dawes, a queda do fluxo de empréstimos para a Alemanha , políticas contracionistas e o início da crise de 29 fizeram com que a economia alemã voltasse ao caos.
                No começo dos anos 30, as políticas de Brüning foram de manter o equilíbrio fiscal, manter o padrão-ouro, cortes de gastos e aumento de impostos, redução de salários. Tal política deflacionária só fez com que a crise alemã se agravasse, seja através da queda da produção ou do aumento do desemprego. O fato é que tal postura de manter as regras liberais tornar-se-iam um prato cheio para que os radicais ganhassem voz na sociedade e na política. Não à toa, Hitler, em 1933, viria a assumir o poder.

NASCE UM GIGANTE: OS ESTADOS UNIDOS ANTES E NO ENTREGUERRAS
                Os Estados Unidos ao final do século XIX começaram se tornar uma potência mundial e começariam em pouco tempo a superar a Inglaterra. A base de desenvolvimento foi muito semelhante a de sua ex-metrópole: a construção da larga malha ferroviária foi o centro do desenvolvimento, que ajudou a desenvolver outras indústrias, como a de aço, carvão. A classe financeira teve um papel fundamental no que se refere a empréstimos para essa empreitada. Tanto que, muitos banqueiros tornaram-se industriais, devido essa estreita linha entre a indústria e  o poder financeiro. A indústria americana pôde se desenvolver de maneira muito superior aos demais países, inclusive incrementando novas tecnologias à produção industrial. Diferentemente da Inglaterra, essa produção era voltada para o mercado interno e não para o externo. Ainda nesse período, o surgimento dos grandes monopólios foi uma realidade. A economia em larga escala fez com que determinados setores ficassem concentrados em poucas empresas. Com todos esses elementos, os Estados Unidos apareciam para o mundo.
                Os Estados Unidos tentaram evitar ao máximo entrar na guerra, devido à sua política isolacionista. Mas quando entrou, sua economia liberal transformou-se em uma economia de guerra: o planejamento central alocava os recursos e os esforços para a indústria bélica. Como no resto dos países envolvidos com o confronto, o liberalismo cedeu ao planejamento. Porém, ao término da guerra, os Estados Unidos, por não terem sofrido danos materiais, tornaram-se credores e exportadores de recursos para os países Europeus. Os americanos foram os “vencedores” reais da Grande Guerra.
                Os anos 20 foram de extrema euforia para os americanos. O crescimento econômico baseado no crédito e na teia de investimentos entre setores geraram um crescimento espetacular. As indústrias automobilísticas, de petróleo, setores de construções e as atividades comerciais, aliados ao crédito fácil permitiram  que os consumidores tivessem acesso a inúmeros bens produzidos em massa, como carros, geladeiras, rádios. As empresas investiam e lucravam cada vez mais. A prosperidade parecia infinita. O liberalismo econômico  havia permitido toda essa euforia.
                Porém, foi a própria dinâmica positiva da economia que gerou sua queda: a produção industrial e as atividades comerciais haviam chegado a um limite, em que os próprios consumidores estavam satisfeitos e as empresas estavam com altos estoques. As perspectivas econômicas passaram da euforia para o pessimismo e a incerteza. As empresas pararam de produzir, simplesmente, e os consumidores de gastar. Mas a quebra da Bolsa em 1929 foi o momento fatal para a economia americana.
                Na época da euforia, o crédito fácil e outra fontes não-bancárias fizeram com que muitos investissem na bolsa de valores. Quando a bolsa quebrou, famílias e empresas perderam muito dinheiro  gerando uma crise de liquidez, em que os bancos contraíram o crédito, as empresas reduziram os estoques e as famílias pagavam suas dívidas e não gastavam. O circuito de gasto estagnou e, portanto, a crise estava instalada.
                Para conter a crise, as primeiras políticas foram de reduzir os juros, porém quando o pior supostamente havia passado, segundo o pensamento de Hoover, a contenção de gastos ainda continuava, os bancos estavam prestes a sofrer quebras generalizadas, devido à falta de regulamentação e a agricultura sofria. O Estado não promoveu os gastos necessários para aliviar a crise. O pensamento liberal, temerário à intervenção do Estado, ainda estava muito presente nos ideais de Hoover e portanto, o Estado não agiu de maneira combativa como deveria.
                Do mesmo jeito que os Estados Unidos subiram no pré-guerra  e continuaram subindo nos anos 20, a década de 30 derrubou a próspera economia americana. O liberalismo excessivo, muito presente  na mentalidade americana, levou à crise e não pôde contê-la. Assim como na Alemanha, tal fato geraria uma mudança de rumo. Um homem faria isso: Frankilin Delano Roosvelt.

O CAPITALISMO MUDA SUA FACE: O CASO AMERICANO E O ALEMÃO
                Quando Roosvelt subiu ao poder suas ações foram de reformar o capitalismo. Para salvar os Estados Unidos da crise, o Estado passaria a ser ativo na economia. O capitalismo livre daria lugar ao capitalismo reformado, em que o Estado daria certas diretrizes ao capital privado. Nascia, com Roosvelt, o Estado de bem-estar social, fundamental para consolidar a ordem nos anos pós-II Guerra.
Os Estados Unidos abandonaram o padrão-ouro e permitiram a desvalorização do dólar, a qual fez com que os preços subissem e as expectativas de investimentos voltassem. Mesmo não sendo tão eficiente tal política, pois os bancos não expandiram o crédito, ela foi eficiente em eliminar o fantasma da deflação. No outro sentido das finanças, o Estado teve uma participação fundamental na regulamentação bancária. Ao salvar os bancos e impor regulamentações às suas atividades, as quebras bancárias se reduziram, em contraste com o período anterior, em que ao deixar os bancos livres e sem ajudá-los, as quebras bancárias eram altas e assustadores e voltaram a ser instituições seguras para as pessoas depositarem seu dinheiro.
Na contramão do liberalismo, O New Deal de Roosvelt ajudou a agricultura de maneira substantiva. As políticas de elevação dos preços agrícolas, seja através da redução das áreas de cultivo, do controle da produção (restrição dela), ações de conservação do solo, melhor aproveitamento das terras e a difusão da energia elétrica, empréstimos para agricultores  permitiram que a agricultura voltasse a produzir.
O New Deal projetava maiores gastos do governo através de obras para empregar os desempregados e os mais jovens. O New Deal foi além em ajudar diretamente aos mais necessitados. O programa de assistência direta ou indireta ajudou muitas pessoas a saírem de situações desesperadoras para viver com um pouco mais de conforto. Deixada às forças de mercado, talvez grande parte da população americana não teria sobrevivido a esses árduos anos.
Apesar da mentalidade dos orçamentos equilibrados, o que impediu Roosvelt de fazer mais do que fez, o New Deal foi um passo significativo de fazer com que o Estado intervisse na economia para salvá-la de sua crise. Foi através dessas intervenções no âmbito monetário, na regulamentação do sistema financeiro, nas intervenções na agricultura e na indústria, com o intuito de fazer com a produção voltasse a crescer, gastos com obras públicos, a fim de diminuir o desemprego, programas de assistência aos pobres e desempregados permitiram que os Estados Unidos fossem aos poucos saindo da crise e voltassem a ser uma potência.
                 Sob o comando nazista, Alemanha implementou reformas no capitalismo bem radicais. Os bancos e as empresas deveriam ser submetidas ao poder central de Hitler. O caso mais emblemático é dos bancos, os quais proveram liquidez, através das poupanças privadas, para que o governo nazista gastasse em projetos de estimular a economia.
                De 1933 a 1936, os programas emergenciais de Hitler visavam dois setores em especial: o da construção de residências e do setor automobilístico. Nesse último em particular se viu grande avanços, seja através de investimentos na produção de carros como na construção de estradas, e além do mais, esse era um setor com muita ligação com outros setores. Aos poucos, o desemprego e a produção industrial começavam a dar sinais vigorosos. A partir de 1936, com o II Plano Quadrienal, o qual visava desenvolver a economia de maneira autônoma, permitiu a produção de borracha, aço, alumínio e fibras sintéticas. O desemprego continuava a declinar e com esse aumento na produção de matérias-primas, os nazistas colocaram em prática o programa de rearmamento. A partir desse momento, os recursos e os gastos públicos seriam destinados à produção de armamentos, mesmo que isso causasse redução no consumo. Aliás, como demonstra Mazzucchelli, os programas de desenvolvimento da Alemanha sempre passaram por um maior desenvolvimento dos bens de capital e não nos de consumo. Mesmo assim, ainda até o início da guerra, o consumo continuaria a crescer.
                Mesmo de maneira mais radical, a economia nazista tentou reformar o capitalismo, de maneira que as forças de mercado estariam submetidas ao poder do Estado. A elevação do gasto público nos dois momentos, a ajuda à agricultura, semelhante a do New Deal, permitiram a Alemanha se desenvolver economicamente, reduzir o desemprego. Assim ela teve forças para enfrentar as humilhações do passado. A II Guerra Mundial estaria pronta para se iniciar.

A ECONOMIA DE GUERRA: A VOLTA DA TRAGÉDIA
                Para simplificar, a II Guerra foi uma revanche da primeira. Era um momento de revisar a história e de impor uma superioridade racial (caso da Alemanha). Para isso, as economias mundiais voltar-se-iam novamente para o planejamento central e a alocação de recursos e força de trabalho para a guerra. Em todos os países isso aconteceu, com exceção dos Estados Unidos, que por possuírem vasta matéria-prima conseguiram aumentar a produção bélica sem prejudicar o consumo.
                No primeiro momento da guerra, as forças do Eixo conseguiram vitórias sucessivas, mesmo que a Alemanha não estivesse completamente preparada para a guerra. A partir do momento em que os Estados Unidos entraram na guerra, a União Soviética conseguiu resistir de maneira heroica à invasão nazista e a produção bélica dos países aliados aumentou em quantidade e qualidade, a queda das forças do eixo foram inevitáveis. A superioridade econômica e bélica dos aliados e erros estratégicos fizeram com que as forças do Eixo fossem derrotas. A paz estaria de volta.
                Porém, os acordos de paz visavam muito mais a ajuda do que custos. Os Estados Unidos foram decisivos nesse contexto de empréstimos para a reconstrução da Europa, inclusive da Alemanha, e do Japão. Diferentemente do pós-I Guerra, os Estados Unidos assumiram o papel de liderança mundial, ou seja, “a nova oficina do mundo”.

  CONCLUSÃO: OS ANOS QUE MUDARAM O MUNDO
                Na brilhante exposição do professor Mazzucchelli , é possível ver como os anos de chumbo mudaram o mundo. Ao olhar o mundo em 1945 e compará-lo com 1913, por exemplo, são mundos completamente diferentes. A ordem liberal burguesa se rompeu, a Inglaterra perdera sua supremacia. As guerras traumatizam gerações e o Estado, tão temido pelos liberais, surgira como uma força para evitar as crises econômicas e a pobreza. Era a face do Estado de bem-estar social, instituição impensável em meados do século XIX. Um das duas potências globais era um Estado comunista (União Soviética).
                Os anos chumbos foram, no pós-I Guerra, uma tentativa de voltar a passado que já estava remoto naquelas circunstâncias: a ordem liberal burguesa, com a supremacia dos mercados e o padrão-ouro já não acompanhavam mais as necessidades de investimentos públicos e da emancipação das massas no cenário político. Foi somente a partir do momento em que tal obsessão foi abandonada a economia pôde se recuperar da crise e reduzir o desemprego, ver os casos da Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra (bem menos, é verdade.) Era de fato um novo mundo, que viria a influenciar tanto seus anos imediatamente posteriores como a longo prazo, ainda de certa forma influencia até hoje, como, por exemplo, a supremacia americana só é possível entender nesse contexto de vitória nas duas guerra sem ter sofrido perdas materiais e ter financiado as reconstruções europeias e japonesas. Era o fim da ideologia do capitalismo livre e da supremacia dos mercados.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Desafios para os Estados Unidos


      Os Estados Unidos enfrentam uma grave crise econômica, mas esse não é o único problema que esse país terá de enfrentar nos próximos anos. Em “Éramos nós a crise” (Cia das Letras), Thomas Friedman e Michael Mandelbaum demonstram que a crise americana é muito mais que econômica, e sim, em questões como educação, a política e nos valores.  A grandeza americana tem diminuído consideravelmente e, pior, a China tem tomado o posto que antigamente pertencia aos americanos. O sonho americano está ficando cada vez mais distante.
        Nos próximos anos haverá quatro grandes desafios aos Estados Unidos no que se refere a se adaptar ao novo mundo: a globalização, a revolução da tecnologia e informação, os enormes déficits e as questões ambientais. Para resolvê-los, os autores recordam a fórmula do sucesso americano que passa pela parceria entre o Estado e a iniciativa privada: fornecer educação a todos, construção e modernização da infraestrutura, manter as fronteiras abertas à imigração, incentivos à pesquisa e desenvolvimento, e regulamentação por parte do governo.
       Para enfrentar os desafios, os Estados Unidos necessitam revitalizar essa fórmula, como sempre o fizeram em períodos de crise, como quando a União Soviética largou à frente na corrida espacial ao lançar o Sputnik ao espaço. Nesse momento em que a China e outros países pretendem tomar o posto americano, é necessário convocar a população a enfrentar esses enormes e complicados desafios. Uma ação coletiva é fundamental nesse momento, dizem os autores.
        Os dois primeiros desafios, globalização e a tecnologia e informação, estão intimamente ligadas, já que o mundo está cada vez mais plano, pois as pessoas e empresas estão hiper-conectadas  Para que as empresas possam concorrer no mercado global é preciso investimentos em pesquisa e desenvolvimento para a criação de novas tecnologias e novos produtos, que possam gerar mais empregos.  
        Mas o mais importante para esse mundo plano é a educação. A globalização e a tecnologia, aos poucos, vão eliminando os empregos que podem ser feitos por computadores e máquinas. Agora não existem empregos na média e simples, ou seja, para conseguir um emprego e se manter nele nesse novo mundo é preciso estar sempre acima da média. Empreendedores criativos, que criem novas empresas e nova tecnologias, e servidores que sempre tenham algo a mais a oferecer.
         Para gerar empreendedores e servidores criativos, a educação é a chave. Melhorar a qualidade da educação, seja fazendo com que os professores melhorem ou incentivando o estudo em matérias como matemática e ciências, mas incentivar a criatividade e o espírito crítico para que esses alunos tenham o mais que o mercado necessita. Os novos empregados não devem apenas realizar seus serviços, mas devem contribuir com novas ideias e projetos e\ou relacionar-se com os clientes de maneira eficiente e agradável. A educação deve trazer esse a mais tão necessário no mundo plano de hoje.
           A guerra à matemática, como definiram os autores sobre a questão dos déficits, podem prejudicar as futuras gerações, pois elas terão que pagar a enorme conta que os políticos deixaram que chegassem a conta dos Estados Unidos. A solução dos autores passa por um forte aumento de impostos e redução nos gastos com determinados benefícios sociais para que seja viável investir em infraestrutura, educação e pesquisas. Porém, a geração atual de políticos, criados no ambiente da radicalização das ideias partidárias, não deseja colocar em prática essa solução, seja por parte dos republicanos que não querem aumentar impostos ou por parte dos democratas que não querer reduzir os gastos.
           A guerra à física refere-se, segundo os autores, a tentativa do governo americano em ignorar as mudanças climáticas. Ao invés de incentivar as novas fontes energéticas e tecnologias ambientais, os Estados Unidos continuam importando petróleo e desencorajando as alternativas. Tanto o mundo atual e futuro, as fontes alternativas serão o motor para o crescimento econômico, ignorá-las é perder espaço para os países, como a China, que têm investido nelas. Aumentar os impostos e aumentar as regulamentações para os produtores de combustíveis fósseis gerará o incentivo necessário ao desenvolvimento de empresas que invistam em fontes e tecnologias alternativas.
           Para resolver esses quatro desafios, é preciso uma terapia de choque. Os autores defendem que um terceiro candidato, que não seja nem republicano nem democrata, proponha tais soluções, que são de certa forma são moderadas. Caso esse candidato ganhe espaço, os outros dois, para ganhar tomar os eleitores, terão que deixar o radicalismo de lado e aceitar algumas soluções moderadas. Como no caso dos déficits. Imagine republicanos dizendo que é necessário aumentar os impostos ou democratas dizendo que é preciso cortar gastos. Esse seria o efeito do terceiro candidato e da terapia de choque.  Mais ainda, esse candidato deveria servir como inspiração e chamar as pessoas para uma ação coletiva. Esta só pode acontecer se as pessoas, como em períodos de guerra e de crises, não só pensarem de maneira individual, mas pensarem em torno do bem comum.
            A grandeza dos Estados Unidos depende de como eles enfrentarão seus desafios. Nos últimos anos, tem –se evitado o encontro com o novo mundo e seus desafios. Para os autores, agora é a hora de mudar e revitalizar a fórmula da prosperidade, e fazer com que a população aja de maneira coletiva. Haverá sacrifícios, mas para o benefício é recompensador: o sonho americano precisa continuar vivo. 

segunda-feira, 18 de março de 2013

As ambiguidades do século XX


    Resenha de "Era dos extremos" de Eric Hobsbawn
            O século XX foi o mais ambíguo dos séculos. De um lado, foi em qual mais morreram pessoas em decorrência da guerra. Por outro, a tecnologia permitiu aos homens viveram mais. Mas quais foram os fatos e fatores que fizeram desse século um enigma? Em “Era dos extremos”, o historiador Eric Hobsbawn divide o Breve Século XX, que durou, historicamente, de 1914, com o início da Primeira Guerra até 1991, quando a União Soviética caiu, em três partes: a Era da Catástrofe (1914 a 1945), a Era de Ouro (1945 a 1973) e o Desmoronamento (1973 a 1991).
            As duas guerras mundiais foram as primeiras a seres mundiais, já que envolveram todos os países do globo de alguma forma, sejam as colônias europeias  a atuação do Japão e EUA, e também foram totais, pois todos os recursos e esforços eram destinados à guerra. Isso se deveu ao fato de que essas guerras deveriam ser vencidas a qualquer custo, tanto pela Alemanha e seu desejo de conquistar o globo, quanto pelos rivais de evitar. Mas a crueldade foi a marca de ambas: o confronto havia se tornado impessoal, a tecnologia permitiu que “tornava matar e estropiar uma consequência de apertar um botão ou virar uma alavanca.” Os homens tornaram-se estatísticas e suas mortes eram justificadas como necessidades operacionais.
            Outro grande marco, talvez o mais importante do breve século, foi a Revolução Russa. Iniciada em 1917, esta teve enormes importâncias para todo o desenrolar dos anos, seja de maneira direta como através da Guerra Fria ou incentivando revoltas e alimentando sonhos revolucionários, após a Primeira Guerra, ou indiretamente incentivando grupos fascistas de extrema direita, em resposta ao temor ocidental do comunismo, e fazendo com que o próprio capitalismo se reinventasse.
            A Rússia foi um enigma para os pensadores marxistas: como um país atrasado e agrária poderia se tornar comunista e dar certo? A Rússia seria apenas o primeiro passo para a revolução comunista mundial, que teria como centro Berlim e não Moscou. A história mostrou que durante uma geração, a União Soviética estaria sozinha em seu empreendimento.
            Após o período da Nova Política Econômica adotada por Lênin, em que havia resquícios de mercado, como a liberalização do comércio para os camponeses, e após a morte do líder da revolução, ao assumir o comando do país, Stálin iniciou uma industrialização pesada, que só poderia ser feita através de um amplo controle e planejado pelo Estado, que se confundia com o Partido Comunista. O partido de “vanguarda” tornava forte e sob a era de Stálin, todo esse poder foi utilizado para expurgar pessoas e implementar o terror na sociedade soviética, a qual, mesmo após a morte do ditador, ainda, mesmo sem o terror, continuaria sendo uma sociedade autoritária.
            A Grande Depressão, a maior crise de todos os tempos, gerou massas de desempregos e colocou o liberalismo econômica desenfreado em descrença. Os valores liberais, como a democracia, também decaíram. No entre-guerras  poucas democracias estavam bem estabelecidas para gerar o consenso, tão necessária a ela. E principalmente, após a Primeira Guerra, muitos países convinham com muitas etnias diferentes, o que gerava constantes atritos. Sem contar, que após a depressão, as classes e seus representantes políticos não podiam mais receber tantos benefícios por parte dos governos como recebiam até então. Mais uma vez, isso gerava atritos.
            Aliado à ruína do liberalismo, o fascismo e  o nazismo conseguiram apoio daqueles que temiam o comunismo, daqueles desempregados que viam no programa militar uma forma de melhorar economicamente, além de conquistar aqueles que viam na guerra a glória do heroísmo, como muitos após da Primeira Guerra viam que haviam feito algo heroíco e épico. Mas, felizmente, o nazismo foi vencido graças à aliança entre os países ocidentais e a União Soviética comunista. A Segunda Guerra foi entre o Iluminismo e os ideias de liberdade e igualdade contra forças reacionárias do nazismo. Essa combinação contra o inimigo comum fez com que os países ocidentais deixassem de lado o extremo capitalismo e dessem uma virada mais à esquerda.
            A Era de Ouro se inicia em 1945 e após o fim da guerra, outra se iniciou, mas esta acabou sendo fria, pois se ocorresse seria fatal. As duas superpotências: Estado Unidos e União Soviética polarizaram o mundo entre: capitalistas e comunistas. O medo de ambos os lados de um avanço rumo ao domínio mundial gerou uma corrida armamentista, que casou pânico no mundo. Se uma guerra explodisse, o mundo acabaria.
            Mas como demonstra Hobsbawn, a grande paranoia dessa conspiração de domínio foi gerada nos Estado Unidos, já que a Europa por mais que estivesse aliada do capitalismo, não deseja nenhum tipo de guerra, assim como a União Soviética também não queria fazer um avanço contra o ocidente, apenas nos Estados Unidos os políticos utilizavam a retórica de domínio global ou mesmo de um avanço comunista para ganhar o apelo das massas.
            E ainda, após sofrer inúmeras derrotas, como no Vietnã, os Estados Unidos havim sido humilhado e muito de sua política externa durante o período foi, não apenas contra o comunismo, para tentar reverter as humilhações. Mais ainda, na era Reagan a luta contra o Império do Mal não era somente contra os soviéticos, mas contra qualquer resquício de estado intervencionista, como o deixado por Roosvelt.
            Apesar do perigo da destruição mundial, a Era de Ouro viu o florescer da economia. Os Estado de bem-estar social, que era uma mistura de planejamento econômico com liberalismo, permitiu ao mundo crescer de maneira impressionante. A tecnologia gerava produtos cada vez mais incríveis, e o desemprego não era mais um problema. A economia foi tornando-se cada vez mais tecnológica e transnacionais. As empresas começaram a se expandir globalmente.
            Houve uma revolução social, principalmente nas cidades. Durante milênios a população urbana sempre fora maior do que a urbana. Porém com a mecanização do campo e as oportunidades na cidade, a população urbana finalmente superou a rural, o que gerou mais mão-de-obra para a indústria. Mais importante também, foi que as pessoas começaram a ter acesso a educação, principalmente universitária. O que impulsionou a revolução cultural.
            Esta era uma resposta do jovens que queriam mudar a sociedade, enquanto que os mais velhos viam a Era de Ouro como o ápice em comparação com tempos passados de guerras e depressão. Sem essa vivência comparativa, os jovens queriam mais do que crescimento econômico, queriam mudar a sociedade. Por esse motivo surgiram movimentos contra-cultura, do feminismo, do movimento homossexual que desejavam mudar o mundo e mais direitos e emancipação social. Foi também o auge do individualismo. A libertação social e individual fez com que os laços coletivos que uniam as pessoas fosse desaparecendo. Agora não havia mais regras morais e sociais que impedissem o indivíduo de realizar seus desejos. A família tradicional foi acabando, a partir desse momento. As classes operárias já não tinham aquele laço que os unia como festas, os sindicatos, que mais do que reuniões eram espaço para socializar com outros operários. Tudo isso foi substituído pela televisão e o rádio.
            Na Terceiro Mundo, a revolução cubana inspirou novos grupos guerrilheiros a lutarem por melhorias sociais e contra o imperialismo  O mundo da Guerra Fria, por mais estabilizado que tivesse, aumentou o número de armas à disposição, principalmente desses grupos. Seja na África ou na América, esses grupos guerrilheiros foram importantes para entender as políticas dos governos militares, como o do Brasil, que através do autoritarismo diziam estar lutando contra os terroristas.
            Mas a Era de Ouro estava acabando. Novas revoluções guerrilheiras surgiram, mas a principal revolução não fora como as anteriores: como um viés esquerdista, mas pelo contrário, visava substituir um governo ocidental por um teocrático e islâmico. Esta aconteceu no Irã em 1979. Pelo jeito a Oriente Médio começava a ser o centro das atenção. Os países produtores de petróleo formaram um cartel e subiram o preço do ouro negro, gerando uma enorme crise.
            A crise do petróleo e suas consequências não foram tão fortes como o que começara a ocorrer após o fim da Era de Ouro: o desemprego estrutural. Cada vez mais a máquina substituía o homem na produção. Massas inteiras começavam a ficar desempregadas por um longo período de tempo. Os que saiam do campos não encontravam empregos. A crise do desemprego já não era mais período, mas era uma realidade duradoura.
            E por fim, a União Soviética ruiu. Ao entrar no mercado mundial, toda a economia soviética que era voltada para o mercado interna e zelava pelo isolacionismo começa a ruir. A reformas feitas ao liberalizar a economia e democratizar a política, os plano econômicos, tão fundamentais para ela e o liderança, além do monopólio, do Partido Comunista fizeram com que a União Soviética ruísse e o Breve Século XX também ruiu.
            Entender a história é fundamental. O livro de Hobsbawn dá uma grande dimensão a essas ambiguidades do século XX para que seja possível entendê-las. Que será do século XXI? Será breve como o seu antecessor? Algumas das respostas podem estar no próprio século XX.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Um relato sobre a descoberta do pensamento "austríaco"no Brasil


             Apesar de atualmente estar envolvido com o pensamento de outros economistas (leia-se, economistas críticos do capitalismo “selvagem”), o estudo da chamada Escola Austríaca ainda me marca profundamente. Não só porque comecei a aprender economia lendo Mises, Hayek e Rothbard (e obras como “Economia e Liberdade”, do professor Ubiratan Iorio), mas porque ela torna o debate econômico mais sofisticado. Estudar seus economistas e ideias é tentar compreender o mundo sob a óptica do liberalismo econômico de uma maneira mais eficaz do que as outras escolas liberais, que se utilizam de modelos matemáticos para explicar que o Estado não deve intervir na economia. A própria metodologia é mostrar que ação humana importa muito mais do que fórmulas e gráficos.
            Com a crise de 2008 muitos pensadores e economistas retornaram a Marx e Keynes. Mas por incrível que pareça, o mundo viu ressurgir o pensamento austríaco, esquecido desde que o keynesianismo triunfou nos chamados “anos dourados” do século XX. Mesmo após a reviravolta liberal dos anos 70, os que triunfaram foram economista como Friedman, que apesar de um grande liberal, é muito criticado pela Escola Austríaca. Esta continuou a perder espaço, por mais que um de seus mais famosos economistas, F.A.Hayek tenha vencido o Prêmio Nobel em 1974, mesmo assim, seu grande mentor, por exemplo, Ludwig von Mises não era nem sequer citado.
É óbvio que atualmente não há uma reviravolta “austríaca”, mas uma redescoberta lenta de sua tradição. A internet ajudou aos jovens estudantes de economia e outras ciências a encontrar um vasto material, tais como artigos e livros sobre o pensamento austríaco. Graças à criação do Mises Institute nos Estados Unidos, hoje o que era distante e o que estava supostamente perdido agora está acessível a um clique.
            O Brasil é um claro exemplo da redescoberta austríaca. Na década de 80, vários livros “austríacos”foram traduzidos pelo Instituto Liberal. Grandes liberais no Brasil como Donald Stewart Jr. (o qual traduziu a obra-prima de Mises: “Ação Humana”), Og Leme e Roberto Campos foram decisivos para trazer à tona o pensamento liberal e da Escola Austríaca. Mas mesmo assim, a influência necessária para trazer o liberalismo austríaco ao debate não veio.
A virada começou e continua após o ano de 2008 com a criação do Instituto Mises Brasil fundador por Hélio Beltrão (filho do ministro Hélio Beltrão e irmão da jornalista Maria Beltrão), Sidney Silvestre, Erick Vasconcelos, os eternos irmãos Chiocca e ao grande economista(e a quem eu frequentemente tiro dúvidas) Leandro Roque. Conta ainda com professores de primeira categoria, como Ubiratan Iorio, Fabio Barbieri e o alemão Anthony Muller. Dentre outros, como Bruno Garschagen e Fernando Ulrich.
            Hoje, graças à iniciativa do Mises Brasil, há inúmeros artigos e livros dos grandes austríacos, sejam os clássicos como Mises, Hayek e Rothbard, como dos mais atuais, dentre eles Hans Hermann Hoppe, Lew Rockwell, Thomas Woods, Walter Block, Jesus Huerta de Soto. Além de produções nacionais.
            Eu, no auge dos meus quinze anos (2009), fui ao primeiro lançamento de livro feito pelo Mises Brasil. “Economia do Indivíduo: O legado da Escola Austríaca”, escrito por Rodrigo Constantino, que mesmo não sendo membro do IMB, ainda é um ávido defensor do pensamento liberal. Naquele dia em São Paulo dava para contar nos dedos os poucos presentes, mas que sem dúvida foi uma noite produtiva com inúmeros debates e com um apagão de luzes, não de idéias.
            Mas meses depois, já em 2010, o Instituto Mises Brasil realizou o primeiro congresso de Escola Austríaca no Brasil contando com várias mentes brilhantes da tradição liberal. Apesar da grandeza intelectual do evento, ainda o número de participantes não chegara a duzentos. (Mesmo assim já dava para lotar alguns ônibus). No ano seguinte, com a vinda de Hans Hermann Hoppe, o evento já trouxe mais gente. Porém, realizado em São Paulo, o evento de 2012 foi um enorme sucesso.
            Inúmeros jovens vindos das universidades, dos mais variados cursos ouviam atentamente às palestras. Muitos saíram com as mãos cheias de livros (eu nem preciso dizer que eu não resistia e a cada intervalo comprava um livro). No salão da Fecomercio era uma efervescência de idéias sobre liberalismo, crises e o intervencionismo do Estado na economia. Nesse momento foi possível perceber que a Escola Austríaca fora redescoberta. As mesmas ideias que possivelmente eram discutidas nos cafés vienenses estavam sendo debatidas a cada intervalo. E agora com a internet nos celulares, tablets, quem sabe nos cafés brasileiros alguns estudantes não estejam discutindo as obras de Mises, Hayek, Menger e outros?
Hoje  visibilidade do Mises Brasil é enorme, tanto no facebook como nas visualizações. Portanto, a Escola Austríaca foi descoberta no Brasil e cada vez mais ganha espaço no debate público. O que em 2009 era um encontro de poucas pessoas, hoje está ganhando enormes dimensões, chegando inclusive, gradualmente, ao debate público. Para os”austríacos”brasileiro ainda há muito que fazer, mas a direção é essa mesma.
            Independentemente de concordar ou não, o fato é que a Escola Austríaca deve ser respeitada e suas ideias devem ser trazidas para sofisticar e melhorar o debates sobre importantes questões econômicas. Um debate mais rico só trará benefícios para a economia mundial e brasileira. Redescobrir a Escola Austríaca é ajudar, nesse sentido, na construção de um mundo com menos problemas econômicos. 
  

terça-feira, 12 de março de 2013

O que o dinheiro não deve comprar


Resenha de "O que o dinheiro não compra", do filósofo Michael Sandel. 
            
             Para muitos estamos vivendo na época do triunfo do liberalismo e do mercado. A impressão que se tem é de que tudo está à venda. Não existe mais nada sagrado. Na era do mercado, será que existem essas coisas “sagradas”, que o dinheiro não deveria comprar? Essa é a essência do pensamento do filósofo Michael Sandel em seu livro “O que o dinheiro não compra”.
            Na era do triunfalismo do mercado, tudo parece estar à venda. A discussão de Sandel sobre o que não deveria ser vendido é mais do que uma crítica sobre a desigualdade de renda, que o mercado acaba gerando, mas sobre a moralidade e a corrupção que a sociedade mercado geram sobre determinadas questões.
            A sociedade de mercado é um modo de vida baseado nos valores do mercado. Em um mundo em que tudo pode ser trocado, desde que seja voluntário, o dinheiro passa a regir a vida as relações sociais. Por ser neutro em relação à moralidade do comércio, Sandel pergunta se essa neutralidade realmente é boa ou se devemos discutir as questões morais que envolvem o mercado. Sandel fica com a segunda opção.
            Utilizando inúmeros exemplos, o filósofo demonstra que o mercado, ao poder comprar tudo, gera duas consequências: a disparidade entre ricos e pobres, já que o dinheiro passa a dominar as relações; e a corrupção, não somente em seu sentido político, mas na maneira como o mercado degrada determinadas questões.
            Parques de diversão disponibilizam “fura-filas”. Ou seja, a pessoa que não tem paciência de ficar na fila, pode comprar um passe livre e se livrar da espera. O primeiro argumento da desigualdade mostra que somente os que podem pagar para furar a fila. Os mais pobres terão de esperar na fila. Porém, o principal argumento é o de que ao permitir a venda desses passes, o espírito cívico de esperar democraticamente na fila.
            A venda de rins ou de bebês também segue essa lógica. Não só por permitir que os ricos tenham acesso a esses bens, enquanto os pobres somente podem vendê-los, mas que ao permitir a venda, mesmo que voluntária, de rins e bebês, o mercado corrompe e degrada a natureza deles. O corpo humano passa a ser visto como mercadoria, assim como os bebês, que deixam de ser seres humanos, e viram mercadorias.
            O mercado da morte também lucra muito. Sandel em um dos exemplos mostra como ricos compram seguros de pessoas com Aids e outras doenças fatais. Quanto mais cedo a pessoa morrer, mais lucros terá o investidor. Por mais que ambas as partes ganhem: o doente recebe dinheiro para viver, talvez, os últimos meses de sua vida ou para seu tratamento médico; e o investidor ganha dinheiro. Mas há nessa troca uma lógica maquiavélica: o investidor não deseja que esse doente possa viver mais tempo e da melhor maneira possível, mas que ele morra o quanto antes. O culto à morte é a lógica desse tipo de troca. A vida humana perde qualquer valor, mas é algo para ser lucrado.
            Ao degradar e corromper determinados valores e o espírito cívico, o mercado acaba por se transformar em algo muitas vezes macabro. É preciso que os indivíduos se perguntem em qual tipo de sociedade desejam viver e discutir a moralidade de determinadas trocas. Por mais eficiente que o mercado seja, em muitos casos a sociedade perde, em termos de bom convívio, em detrimento dessa maior eficiência. As pessoas precisam se perguntar: mais eficiente ou um convívio mais harmonioso? Ou seja, o dinheiro deve comandar tudo ou existem coisas que o dinheiro não deve comprar?
            

quarta-feira, 6 de março de 2013

O que os modelos matemáticos não explicam

                 Um dos grandes tratados de economia, escrito pelo austríaco Ludwig von Mises, tem como título “Ação Humana.” Nele, o professor Mises descreve como a economia é uma das ciências que derivam da praxeologia, ou seja, a ciência que estuda a ação humana. Mas, hoje, a economia tornou-se quase incompreensível e abstrata: cada vez mais o modelos matemáticos, conceitos de concorrência perfeita e equilíbrio geral pretendem transformá la em uma ciência natural e eliminar cada vez mais a importância da ação humana. Não sem coincidência, a economia é apelidada de ciência “triste”, devido a sua exaustiva incompreensão.
                A ideia da racionalidade é central: os indivíduos sempre agem de maneira racional, sem que questões como a ética e os costumes influenciem em suas ações. É uma visão mecanista que acabou criando o “homem econômico”, egoísta  e racional. O mercado também ganha ares científicos: é um mecanismo perfeito que gera o equilíbrio e a prosperidade do coletivo. Ou ainda, a regra defendida por Adam Smith: ao buscar os interesses egoístas, de maneira racional, o açougueiro sempre geraria o bem-estar coletivo. Tanto os agentes econômicos e o funcionamento dos mercados perderam o caráter subjetivista e social. Tornaram-se elementos científicos, como aqueles estudados pela física e pela matemática.
                A ação humana pregada por Mises perdeu espaço para os modelos matemáticos. Os economistas estão confundindo beleza com verdade, como diria Paul Krugman. Todo esse arcabouço “científico”é maravilhoso, mas não serve para explicar a economia como ela é de fato. Os indivíduos podem ser racionais no mundo abstrato, mas no real eles agem muitas vezes por impulsos. A classe capitalista, por exemplo, age com o único propósito de acumular riquezas. Nesse empreendimento, nem sempre se utilizam da razão, muito menos, em vários casos, suas ações egoístas geram bem-estar para a sociedade.
                O indivíduo racional deixa de existir na figura do capitalista. As decisões econômicas estão concentrados em suas mãos. Enquanto houver otimismo, ele continuará investindo mais e mais para acumular riquezas. Porém, qualquer medo, qualquer expectativa ruim do futuro, ele deixará de investir, o que poderá prejudicar toda sociedade. Nesse quesito são dois pontos: 1. suas ações egoístas de deixar de investir podem causar danos à sociedade, e 2.o medo do futuro influência muito mais do que a razão. O “homem econômico”não existe na prática. Para os modelos, não existe incerteza, pois é possível prever o futuro utilizando os dados do passado. Esquecem-se que o futuro é sempre incerto e nunca previsível, portanto mais do que razão, muitas vezes o medo influencia nas decisões econômicas.
O debate sobre o intervencionismo estatal é um dos pontos centrais da economia. Para os modelos matemáticos, o Estado não deve intervir, pois o mercado é perfeito, já que os indivíduos são racionais, suas ações individuais levam sempre ao bem-estar coletivo. Ou seja, o mercado é uma força capaz de se auto-regular, pois as forças tendem sempre ao equilíbrio. A economia se despolitizou nesse sentido.
                Mas essa discussão levanta questões mais relevantes do que modelos propõem: envolve debates  sobre moralidade e sobre a essência da sociedade. Deveria o governo tributar pesadamente e com isso ajudar os mais pobres? Deveria o Estado regulamentar o sistema financeiro para evitar crises econômica ou nestas, deveriam haver pacotes para salvar empresas e com isso impedir que o desemprego se agrave? Essas são questões que os modelos matemáticos não resolvem.
                O papel do Estado na economia envolve um debate sobre individualismo. O indivíduo deve ser responsável pelos outros? Ou seja, uma pessoa qualquer que more no Estado de São Paulo deveria pagar maiores impostos para que o governo financie o seguro-desemprego de um cidadão que mora em Sergipe, por exemplo? Tanto o sim como o não envolvem a questão: o indivíduo tem algum dever moral com a sociedade? Novamente, os modelos matemáticos não podem resolver.
                Mesmo aqueles defensores do mercado irrestrito, como os economistas vinculados à tradição da Escola Austríaca, afirmam que o mercado é um processo social que decorre no tempo. Segundo esses economistas, o próprio mercado é imperfeito e por mais que caminhe para o equilíbrio, não o alcançará (Kirzner), ou mais, nem sequer caminho para o equilíbrio (Lanchmann). Mas acreditam que mesmo o mercado imperfeito será mais eficiente que as políticas estatais, porque além de questões econômicas, o Estado intervencionista tende a expandir o seu poder e eliminar as liberdades. A falta de incentivos para funcionários públicos e a corrupção também são criticados pelos austríacos. Portanto, para estes tanto o mercado e o Estado são elementos sociais não-perfeitos e sujeitos à incertezas, ao poder, às questões políticas e podem ser influenciados por demandas populares, como no caso do Estado. Enfim, em questões que os modelos matemáticos não podem esclarecer nem analisar.
                A economia não é uma ciência matemática e jamais sê-lo-á, pois o “homem econômico”não existe. Muito bonito na teoria, mas sem qualquer relevância para a prática. A economia precisa voltar a levar em consideração questões morais e ética se quiser deixar de ser uma ciência triste e tornar-se mais compreensível e eficiente. Nesses pontos, modelos matemática não podem explicar nada. É preciso deixar de confundir beleza com verdade.

sábado, 2 de março de 2013

História do pensamento capitalista e de seus críticos


Resenha de "História do Pensamento Econômico", de Hunt e Sherman. Editora Vozes. 
               
               Desde a queda da União Soviética, o capitalismo é o sistema predominante no planeta. Em “História do Pensamento Econômico”, Hunt e Sherman descrevem como a ideologia do liberalismo se formou, seus principais núcleos de ideias, e como através de um processo histórico foi necessário desenvolver uma nova forma de pensá-lo e  também como suas falhas levaram críticos a defender um sistema econômico contrário ao capitalismo ou para os menos radicais apenas reduzir os seus problemas.

O ANTI-CAPITALISMO ANTES DO CAPITALISMO
                Os autores demonstram como a religião cristã e seu paternalismo eram peças fundamentais para manter a ordem social. Na divisão social havia dois grupos: os privilegiados (clero e os nobres) e não privilegiados (servos). O paternalismo cristão defendia que a sociedade era uma enorme família e que os privilegiados tinham a obrigação de ajudar os mais necessitados. Ao mesmo tempo, em que condenava-se o egoísmo e a avareza. Os ricos deveriam utilizar a riqueza para ajudar a seus irmãos, caso contrário seria apenas  ladrões comuns. Os comerciantes deveriam vender seus produtos pelo preço considerado justo, ou seja, aquele necessário para cobrir os custos com o transporte. A usura, ou seja, emprestar com juros era condenada, também.
                Com esse tipo de ideologia não seria possível desenvolver o capitalismo, pois a acumulação de riquezas e o egoísmo eram moralmente condenáveis. Os ricos tinham obrigação de ajudar aos mais necessitados, mesmo que para isso tivesse de renunciar a grande parte de suas riquezas. A ética paternalista cristã era um sério empecilho para o desenvolvimento do comércio. Porém, com o fim do feudalismo, o capitalismo começara a ganhar força através do comércio e das pequenas manufaturas. Era necessário, portanto, uma  forma de pensar para justificar o que estava nascendo.

OS DEFENSORES DO CAPITALISMO
                A ética paternalista cristã começou a decair, enquanto as ideias protestantes da reforma ganharam força. Os novos pensadores religiosos, principalmente Calvino. Enquanto no catolicismo, o homem seria salvo através de suas obras, ou seja, através das cerimônias e rituais. O indivíduo necessitava de outros, como o clero, para poder se salvar. Já no protestantismo, a fé individual salvaria o indivíduo. Agora, o homem deveria escutar seu próprio coração para saber se seus atos era motivados por Deus.  O homem deveria satisfazer a Deus através do trabalho árduo para que  pudesse zelar pela terra de Deus.
                A ética protestante, ao contrário da católica, não criticava a riqueza, mas apenas o luxo e a futilidade. Os homens ricos deveriam viver uma vida ascética e não gastar para ostentar. A acumulação de riqueza não era mais condenável. Aliando o individualismo com a nova moralidade da riqueza e o do trabalho, o Estado não deveria mais intervir na economia, como no mercantilismo, em que o Estado deveria intervir (diretamente ou indiretamente, através de tarifas e impostos ou obstáculos ao comércio desenfreado) para ajudar aos pobres. Mesmo sem essa intenção, o protestantismo serviu como base ideológica para o capitalismo funcionar.
                Após depois, a base de argumentação para o capitalismo começou a ganhar ares mais sofisticados. Adam Smith, o fundador do liberalismo clássico defendia a ideia de que ao agir egoisticamente, o indivíduo promoveria o bem-estar social. Agora, o homem rico não tinha uma obrigação em ajudar a sociedade, mas o ato egoísta o faria. Os comerciantes não vendem seus produtos, porque querem ajudar as pessoas, mas porque querem lucrar. Nesse processo, os consumidores terão acesso aos bens necessários a suas vidas. Esse processo foi denominado de mão invisível. No capitalismo, portanto, a concorrência fazia com que os recursos e o trabalho fossem destinados à produção de bens que a sociedade necessita com maior urgência.
                Mas a sofisticação do argumento continuava. Os homens eram egoístas, frios e calculistas por natureza. Bentham afirmava que o homem sempre iria escolher o máximo de prazer e o mínimo de dor. Para fazê-lo era necessária uma análise fria e racional em contraposição aos caprichos, o instinto e as convenções. Esse tipo de ideia teve como consequência a crença de que se os homens não tivessem atividades que lhes desse prazer, não fariam nada. O medo da fome fazia com que os trabalhadores procurassem trabalhar de maneira incansável. Era o fim da ética paternalista cristã: ajudar aos necessitados era incentivá-los a continuar vadios ao invés de deixar com que o medo da fome os forçasse a trabalhar.
                A acumulação de capital permitia maiores investimentos na produção. Quanto maior a produção, maiores os salários e maiores o consumo. Enquanto a demanda fosse crescente, os empresários continuavam a produzir e fazendo a crescer a economia. Quando o Estado impunha qualquer tipo de restrição e obstáculos à liberdade, isso diminuiria a demanda e, consequentemente, a produção. A economia pararia de crescer e o bem-estar social também.
                No século XIX, os neoclássicos vieram a reafirmar que em um sistema totalmente livre e em que houvesse concorrência, consumidores encontrariam uma combinação ótima de mercadoria e os fatores de produção seriam utilizados da melhor maneira possível. Para que isso acontecesse, o Estado não deveria intervir nesse processo de compra e venda de mercadorias, ou seja, na economia.

OS CRÍTICOS RADICAIS
                Em meados do século XIX, a Revolução industrial já estava a todo vapor, assim como o capitalismo. Enquanto, os mais ricos ficavam ricos, Hunt e Sherman demonstram que a situação dos trabalhadores não era das melhores. Aos poucos, as grandes empresas sufocavam as pequenas, aumentando ainda mais a concentração de renda nas mãos de poucos.
                Nesse ambiente, os primeiros socialistas começavam a criticar o capitalismo, mas o principal crítico e analista do sistema foi Karl Marx. Este acreditava que o capitalismo era um sistema explorador, pois o valor dos bens produzidos era igual à quantidade de trabalho produzido, porém, as mercadorias eram vendidas por um valor diferente da força de trabalho. Ou seja, o lucro era a exploração dos trabalhadores.
                Marx também mostrou como a concentração de renda e das empresas acontecia: as empresas mais fortes engoliam as mais fracas, e com o desenvolvimento produtivo, ficava mais cada vez mais caro obter o mínimo necessário à produção, e somente apenas as empresas que possuíssem mais capitais poderiam continuar a produzir. A concorrência imaginada pelos havia liberais estava ruindo.
                E ainda mais, o capitalismo era um sistema, em que as crises eram naturais. Marx descreveu o processo de crises: os empresários conseguiam pagar baixos salários, porque havia um “exército” de pessoas à procura de emprego. Com o aumento da produção, mais pessoas ficavam empregadas e os salários subiram, já que o número de desempregados diminuía. Porém, os empresários aumentavam o número de máquinas na produção para diminuir a mão-de-obra. Os salários voltavam a baixar. Porém, com salários baixos e muitos desempregados, o consumo se restringia. Uma menor demanda por bens de consumo, os empresários desse setor paravam de comprar bens de capital, fazendo com que a produção desses bens diminuísse e trabalhadores fossem despedidos. O desemprego aumentava ainda mais e a demanda por bens de consumo continuava a cair. A crise estaria instalada.
                O conjunto de todos esses fatores: concentração de renda e a miséria do proletariado, além das crises constantes levariam a uma revolução socialista, em que o capitalismo seria substituído por um sistema mais justo e menos explorador. É por isso que Marx foi um crítico radical do capitalismo. Na época em que foi escrito o livro de Hunt e Sherman, muitos movimentos, como os ambientalistas, as feministas e os que lutavam pelos direitos civis também criticavam violentamente o capitalismo por gerar racismo, o imperialismo e desejavam aboli-lo.
                O imperialismo mostrou a face desumana do capitalismo. Segundo Rosa Luxemburgo, os lucros auferidos pelos capitalistas, grande parte eram destinados a gastar com bens de capital para a produção futura. Porém, a demanda de bens para o consumo era insuficiente. Os lucros seriam menores e os gastos para aumentar a produção também. Dessa forma, somente expropriando riqueza de outros lugares poderia permitir a acumulação de capital e permitir a produção. Povos foram massacrados para permitir que o capitalismo europeu e, recentemente, americano funcionasse.

OS CRÍTICOS MODERADOS
                Os moderados viam os problemas do capitalismo, mas não desejavam abolir a propriedade privada ou acabar com o capitalismo, apenas queriam reformá-lo. O economista John Maynard Keynes foi um desses críticos e ao mesmo tempo, queria reformá-lo, apenas. A sua ideia era contrário ao capitalismo desenfreado sem intervenções governamentais.
                A sua ideia econômica se baseava em que o valor dos bens produzidos era igual às rendas obtidas. Portanto, as rendas seriam utilizadas para comprar tais bens. Novas rendas seriam utilizadas para comprar outros produtos e assim a economia funcionaria. Porém, nem todos gastam suas rendas. Muitos a poupam. Agora não há mais coordenação, há um vazio a ser preenchido entre o valor dos bens e as rendas. Porém, muitas pessoas contraem empréstimos e os utilizam realizar gastos. Para que se tenha prosperidade, os impostos deveriam ser utilizados para comprar bens e serviços, os empresários deveriam tomar emprestado dinheiro para comprar realizar investimentos para contrabalancear a poupança e as exportações deveriam contrabalancear as importações.
                Porém esse processo nem sempre é durável. Com o aumento da produtividade e da renda, a poupança aumenta. Ou seja, a cada rodada de prosperidade a poupança aumenta e os investimentos e os gastos dos empresários precisariam, mas não conseguem crescer na mesma proporção das rendas. Quando chega esse momento haverá uma crise. As empresas começam a ter prejuízos, pois a demanda por seus bens está decrescendo, ou seja, elas produzem mais do que os consumidores compram. Elas perdem os incentivos para produzir, fazendo com que a renda e os trabalhadores sejam demitidos. A crise se instala.
                Para resolvê-la, Keynes afirmava que o Estado deveria intervir através do recolhimento das poupanças, seja através de empréstimos ou impostos e deveria gastar em projetos que não aumentassem a capacidade produtiva da economia, mas que não impedissem as oportunidades de investimentos futuros, como as construções de pirâmides no Egito antigo ou em projetos de utilidade social, como escolas e hospitais, ou ainda em gastos militares.  
                O livro de Hunt e Sherman mostram como durante o processo histórico, os sistemas econômicos, mas principalmente o seu ator principal, o capitalismo, necessitavam de ideologias que o justificassem. O paternalismo cristão justificava a sua ordem social. O liberalismo justificava  capitalismo. Porém, sempre houve os críticos: o liberalismo criticava o paternalismo cristão e hoje o capitalismo é criticado por suas falhas. Alguns como Marx procuraram mudá-lo, outros como Keynes, apenas clamava por uma maior participação do Estado para evitar as crises.