Resenha de "História do Pensamento Econômico", de Hunt e Sherman. Editora Vozes.
Desde a queda da União Soviética, o capitalismo é o sistema
predominante no planeta. Em “História do Pensamento Econômico”, Hunt e Sherman
descrevem como a ideologia do liberalismo se formou, seus principais núcleos de
ideias, e como através de um processo histórico foi necessário desenvolver uma
nova forma de pensá-lo e também como
suas falhas levaram críticos a defender um sistema econômico contrário ao
capitalismo ou para os menos radicais apenas reduzir os seus problemas.
O ANTI-CAPITALISMO ANTES DO CAPITALISMO
Os autores demonstram como a
religião cristã e seu paternalismo eram peças fundamentais para manter a ordem
social. Na divisão social havia dois grupos: os privilegiados (clero e os
nobres) e não privilegiados (servos). O paternalismo cristão defendia que a
sociedade era uma enorme família e que os privilegiados tinham a obrigação de
ajudar os mais necessitados. Ao mesmo tempo, em que condenava-se o egoísmo e a
avareza. Os ricos deveriam utilizar a riqueza para ajudar a seus irmãos, caso
contrário seria apenas ladrões comuns.
Os comerciantes deveriam vender seus produtos pelo preço considerado justo, ou
seja, aquele necessário para cobrir os custos com o transporte. A usura, ou
seja, emprestar com juros era condenada, também.
Com
esse tipo de ideologia não seria possível desenvolver o capitalismo, pois a
acumulação de riquezas e o egoísmo eram moralmente condenáveis. Os ricos tinham
obrigação de ajudar aos mais necessitados, mesmo que para isso tivesse de
renunciar a grande parte de suas riquezas. A ética paternalista cristã era um
sério empecilho para o desenvolvimento do comércio. Porém, com o fim do
feudalismo, o capitalismo começara a ganhar força através do comércio e das
pequenas manufaturas. Era necessário, portanto, uma forma de pensar para justificar o que estava
nascendo.
OS DEFENSORES DO
CAPITALISMO
A ética paternalista cristã
começou a decair, enquanto as ideias protestantes da reforma ganharam força. Os
novos pensadores religiosos, principalmente Calvino. Enquanto no catolicismo, o
homem seria salvo através de suas obras, ou seja, através das cerimônias e
rituais. O indivíduo necessitava de outros, como o clero, para poder se salvar.
Já no protestantismo, a fé individual salvaria o indivíduo. Agora, o homem
deveria escutar seu próprio coração para saber se seus atos era motivados por
Deus. O homem deveria satisfazer a Deus
através do trabalho árduo para que
pudesse zelar pela terra de Deus.
A ética
protestante, ao contrário da católica, não criticava a riqueza, mas apenas o
luxo e a futilidade. Os homens ricos deveriam viver uma vida ascética e não
gastar para ostentar. A acumulação de riqueza não era mais condenável. Aliando
o individualismo com a nova moralidade da riqueza e o do trabalho, o Estado não
deveria mais intervir na economia, como no mercantilismo, em que o Estado
deveria intervir (diretamente ou indiretamente, através de tarifas e impostos
ou obstáculos ao comércio desenfreado) para ajudar aos pobres. Mesmo sem essa
intenção, o protestantismo serviu como base ideológica para o capitalismo
funcionar.
Após
depois, a base de argumentação para o capitalismo começou a ganhar ares mais
sofisticados. Adam Smith, o fundador do liberalismo clássico defendia a ideia
de que ao agir egoisticamente, o indivíduo promoveria o bem-estar social.
Agora, o homem rico não tinha uma obrigação em ajudar a sociedade, mas o ato
egoísta o faria. Os comerciantes não vendem seus produtos, porque querem ajudar
as pessoas, mas porque querem lucrar. Nesse processo, os consumidores terão
acesso aos bens necessários a suas vidas. Esse processo foi denominado de mão
invisível. No capitalismo, portanto, a concorrência fazia com que os recursos e
o trabalho fossem destinados à produção de bens que a sociedade necessita com
maior urgência.
Mas a
sofisticação do argumento continuava. Os homens eram egoístas, frios e
calculistas por natureza. Bentham afirmava que o homem sempre iria escolher o
máximo de prazer e o mínimo de dor. Para fazê-lo era necessária uma análise
fria e racional em contraposição aos caprichos, o instinto e as convenções.
Esse tipo de ideia teve como consequência a crença de que se os homens não
tivessem atividades que lhes desse prazer, não fariam nada. O medo da fome
fazia com que os trabalhadores procurassem trabalhar de maneira incansável. Era
o fim da ética paternalista cristã: ajudar aos necessitados era incentivá-los a
continuar vadios ao invés de deixar com que o medo da fome os forçasse a
trabalhar.
A
acumulação de capital permitia maiores investimentos na produção. Quanto maior
a produção, maiores os salários e maiores o consumo. Enquanto a demanda fosse
crescente, os empresários continuavam a produzir e fazendo a crescer a
economia. Quando o Estado impunha qualquer tipo de restrição e obstáculos à
liberdade, isso diminuiria a demanda e, consequentemente, a produção. A
economia pararia de crescer e o bem-estar social também.
No
século XIX, os neoclássicos vieram a reafirmar que em um sistema totalmente
livre e em que houvesse concorrência, consumidores encontrariam uma combinação
ótima de mercadoria e os fatores de produção seriam utilizados da melhor
maneira possível. Para que isso acontecesse, o Estado não deveria intervir
nesse processo de compra e venda de mercadorias, ou seja, na economia.
OS CRÍTICOS RADICAIS
Em meados do século XIX, a
Revolução industrial já estava a todo vapor, assim como o capitalismo.
Enquanto, os mais ricos ficavam ricos, Hunt e Sherman demonstram que a situação
dos trabalhadores não era das melhores. Aos poucos, as grandes empresas
sufocavam as pequenas, aumentando ainda mais a concentração de renda nas mãos
de poucos.
Nesse
ambiente, os primeiros socialistas começavam a criticar o capitalismo, mas o
principal crítico e analista do sistema foi Karl Marx. Este acreditava que o
capitalismo era um sistema explorador, pois o valor dos bens produzidos era
igual à quantidade de trabalho produzido, porém, as mercadorias eram vendidas
por um valor diferente da força de trabalho. Ou seja, o lucro era a exploração
dos trabalhadores.
Marx
também mostrou como a concentração de renda e das empresas acontecia: as
empresas mais fortes engoliam as mais fracas, e com o desenvolvimento
produtivo, ficava mais cada vez mais caro obter o mínimo necessário à produção,
e somente apenas as empresas que possuíssem mais capitais poderiam continuar a
produzir. A concorrência imaginada pelos havia liberais estava ruindo.
E ainda
mais, o capitalismo era um sistema, em que as crises eram naturais. Marx
descreveu o processo de crises: os empresários conseguiam pagar baixos
salários, porque havia um “exército” de pessoas à procura de emprego. Com o
aumento da produção, mais pessoas ficavam empregadas e os salários subiram, já
que o número de desempregados diminuía. Porém, os empresários aumentavam o
número de máquinas na produção para diminuir a mão-de-obra. Os salários
voltavam a baixar. Porém, com salários baixos e muitos desempregados, o consumo
se restringia. Uma menor demanda por bens de consumo, os empresários desse
setor paravam de comprar bens de capital, fazendo com que a produção desses
bens diminuísse e trabalhadores fossem despedidos. O desemprego aumentava ainda
mais e a demanda por bens de consumo continuava a cair. A crise estaria
instalada.
O
conjunto de todos esses fatores: concentração de renda e a miséria do
proletariado, além das crises constantes levariam a uma revolução socialista,
em que o capitalismo seria substituído por um sistema mais justo e menos
explorador. É por isso que Marx foi um crítico radical do capitalismo. Na época
em que foi escrito o livro de Hunt e Sherman, muitos movimentos, como os
ambientalistas, as feministas e os que lutavam pelos direitos civis também criticavam
violentamente o capitalismo por gerar racismo, o imperialismo e desejavam
aboli-lo.
O
imperialismo mostrou a face desumana do capitalismo. Segundo Rosa Luxemburgo,
os lucros auferidos pelos capitalistas, grande parte eram destinados a gastar
com bens de capital para a produção futura. Porém, a demanda de bens para o
consumo era insuficiente. Os lucros seriam menores e os gastos para aumentar a
produção também. Dessa forma, somente expropriando riqueza de outros lugares
poderia permitir a acumulação de capital e permitir a produção. Povos foram
massacrados para permitir que o capitalismo europeu e, recentemente, americano
funcionasse.
OS CRÍTICOS MODERADOS
Os moderados viam os
problemas do capitalismo, mas não desejavam abolir a propriedade privada ou
acabar com o capitalismo, apenas queriam reformá-lo. O economista John Maynard
Keynes foi um desses críticos e ao mesmo tempo, queria reformá-lo, apenas. A
sua ideia era contrário ao capitalismo desenfreado sem intervenções governamentais.
A sua
ideia econômica se baseava em que o valor dos bens produzidos era igual às
rendas obtidas. Portanto, as rendas seriam utilizadas para comprar tais bens.
Novas rendas seriam utilizadas para comprar outros produtos e assim a economia
funcionaria. Porém, nem todos gastam suas rendas. Muitos a poupam. Agora não há
mais coordenação, há um vazio a ser preenchido entre o valor dos bens e as
rendas. Porém, muitas pessoas contraem empréstimos e os utilizam realizar
gastos. Para que se tenha prosperidade, os impostos deveriam ser utilizados
para comprar bens e serviços, os empresários deveriam tomar emprestado dinheiro
para comprar realizar investimentos para contrabalancear a poupança e as
exportações deveriam contrabalancear as importações.
Porém
esse processo nem sempre é durável. Com o aumento da produtividade e da renda,
a poupança aumenta. Ou seja, a cada rodada de prosperidade a poupança aumenta e
os investimentos e os gastos dos empresários precisariam, mas não conseguem
crescer na mesma proporção das rendas. Quando chega esse momento haverá uma
crise. As empresas começam a ter prejuízos, pois a demanda por seus bens está
decrescendo, ou seja, elas produzem mais do que os consumidores compram. Elas
perdem os incentivos para produzir, fazendo com que a renda e os trabalhadores sejam
demitidos. A crise se instala.
Para
resolvê-la, Keynes afirmava que o Estado deveria intervir através do
recolhimento das poupanças, seja através de empréstimos ou impostos e deveria
gastar em projetos que não aumentassem a capacidade produtiva da economia, mas
que não impedissem as oportunidades de investimentos futuros, como as
construções de pirâmides no Egito antigo ou em projetos de utilidade social,
como escolas e hospitais, ou ainda em gastos militares.
O livro de Hunt e Sherman
mostram como durante o processo histórico, os sistemas econômicos, mas
principalmente o seu ator principal, o capitalismo, necessitavam de ideologias
que o justificassem. O paternalismo cristão justificava a sua ordem social. O
liberalismo justificava capitalismo.
Porém, sempre houve os críticos: o liberalismo criticava o paternalismo cristão
e hoje o capitalismo é criticado por suas falhas. Alguns como Marx procuraram
mudá-lo, outros como Keynes, apenas clamava por uma maior participação do
Estado para evitar as crises.
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