sábado, 2 de março de 2013

História do pensamento capitalista e de seus críticos


Resenha de "História do Pensamento Econômico", de Hunt e Sherman. Editora Vozes. 
               
               Desde a queda da União Soviética, o capitalismo é o sistema predominante no planeta. Em “História do Pensamento Econômico”, Hunt e Sherman descrevem como a ideologia do liberalismo se formou, seus principais núcleos de ideias, e como através de um processo histórico foi necessário desenvolver uma nova forma de pensá-lo e  também como suas falhas levaram críticos a defender um sistema econômico contrário ao capitalismo ou para os menos radicais apenas reduzir os seus problemas.

O ANTI-CAPITALISMO ANTES DO CAPITALISMO
                Os autores demonstram como a religião cristã e seu paternalismo eram peças fundamentais para manter a ordem social. Na divisão social havia dois grupos: os privilegiados (clero e os nobres) e não privilegiados (servos). O paternalismo cristão defendia que a sociedade era uma enorme família e que os privilegiados tinham a obrigação de ajudar os mais necessitados. Ao mesmo tempo, em que condenava-se o egoísmo e a avareza. Os ricos deveriam utilizar a riqueza para ajudar a seus irmãos, caso contrário seria apenas  ladrões comuns. Os comerciantes deveriam vender seus produtos pelo preço considerado justo, ou seja, aquele necessário para cobrir os custos com o transporte. A usura, ou seja, emprestar com juros era condenada, também.
                Com esse tipo de ideologia não seria possível desenvolver o capitalismo, pois a acumulação de riquezas e o egoísmo eram moralmente condenáveis. Os ricos tinham obrigação de ajudar aos mais necessitados, mesmo que para isso tivesse de renunciar a grande parte de suas riquezas. A ética paternalista cristã era um sério empecilho para o desenvolvimento do comércio. Porém, com o fim do feudalismo, o capitalismo começara a ganhar força através do comércio e das pequenas manufaturas. Era necessário, portanto, uma  forma de pensar para justificar o que estava nascendo.

OS DEFENSORES DO CAPITALISMO
                A ética paternalista cristã começou a decair, enquanto as ideias protestantes da reforma ganharam força. Os novos pensadores religiosos, principalmente Calvino. Enquanto no catolicismo, o homem seria salvo através de suas obras, ou seja, através das cerimônias e rituais. O indivíduo necessitava de outros, como o clero, para poder se salvar. Já no protestantismo, a fé individual salvaria o indivíduo. Agora, o homem deveria escutar seu próprio coração para saber se seus atos era motivados por Deus.  O homem deveria satisfazer a Deus através do trabalho árduo para que  pudesse zelar pela terra de Deus.
                A ética protestante, ao contrário da católica, não criticava a riqueza, mas apenas o luxo e a futilidade. Os homens ricos deveriam viver uma vida ascética e não gastar para ostentar. A acumulação de riqueza não era mais condenável. Aliando o individualismo com a nova moralidade da riqueza e o do trabalho, o Estado não deveria mais intervir na economia, como no mercantilismo, em que o Estado deveria intervir (diretamente ou indiretamente, através de tarifas e impostos ou obstáculos ao comércio desenfreado) para ajudar aos pobres. Mesmo sem essa intenção, o protestantismo serviu como base ideológica para o capitalismo funcionar.
                Após depois, a base de argumentação para o capitalismo começou a ganhar ares mais sofisticados. Adam Smith, o fundador do liberalismo clássico defendia a ideia de que ao agir egoisticamente, o indivíduo promoveria o bem-estar social. Agora, o homem rico não tinha uma obrigação em ajudar a sociedade, mas o ato egoísta o faria. Os comerciantes não vendem seus produtos, porque querem ajudar as pessoas, mas porque querem lucrar. Nesse processo, os consumidores terão acesso aos bens necessários a suas vidas. Esse processo foi denominado de mão invisível. No capitalismo, portanto, a concorrência fazia com que os recursos e o trabalho fossem destinados à produção de bens que a sociedade necessita com maior urgência.
                Mas a sofisticação do argumento continuava. Os homens eram egoístas, frios e calculistas por natureza. Bentham afirmava que o homem sempre iria escolher o máximo de prazer e o mínimo de dor. Para fazê-lo era necessária uma análise fria e racional em contraposição aos caprichos, o instinto e as convenções. Esse tipo de ideia teve como consequência a crença de que se os homens não tivessem atividades que lhes desse prazer, não fariam nada. O medo da fome fazia com que os trabalhadores procurassem trabalhar de maneira incansável. Era o fim da ética paternalista cristã: ajudar aos necessitados era incentivá-los a continuar vadios ao invés de deixar com que o medo da fome os forçasse a trabalhar.
                A acumulação de capital permitia maiores investimentos na produção. Quanto maior a produção, maiores os salários e maiores o consumo. Enquanto a demanda fosse crescente, os empresários continuavam a produzir e fazendo a crescer a economia. Quando o Estado impunha qualquer tipo de restrição e obstáculos à liberdade, isso diminuiria a demanda e, consequentemente, a produção. A economia pararia de crescer e o bem-estar social também.
                No século XIX, os neoclássicos vieram a reafirmar que em um sistema totalmente livre e em que houvesse concorrência, consumidores encontrariam uma combinação ótima de mercadoria e os fatores de produção seriam utilizados da melhor maneira possível. Para que isso acontecesse, o Estado não deveria intervir nesse processo de compra e venda de mercadorias, ou seja, na economia.

OS CRÍTICOS RADICAIS
                Em meados do século XIX, a Revolução industrial já estava a todo vapor, assim como o capitalismo. Enquanto, os mais ricos ficavam ricos, Hunt e Sherman demonstram que a situação dos trabalhadores não era das melhores. Aos poucos, as grandes empresas sufocavam as pequenas, aumentando ainda mais a concentração de renda nas mãos de poucos.
                Nesse ambiente, os primeiros socialistas começavam a criticar o capitalismo, mas o principal crítico e analista do sistema foi Karl Marx. Este acreditava que o capitalismo era um sistema explorador, pois o valor dos bens produzidos era igual à quantidade de trabalho produzido, porém, as mercadorias eram vendidas por um valor diferente da força de trabalho. Ou seja, o lucro era a exploração dos trabalhadores.
                Marx também mostrou como a concentração de renda e das empresas acontecia: as empresas mais fortes engoliam as mais fracas, e com o desenvolvimento produtivo, ficava mais cada vez mais caro obter o mínimo necessário à produção, e somente apenas as empresas que possuíssem mais capitais poderiam continuar a produzir. A concorrência imaginada pelos havia liberais estava ruindo.
                E ainda mais, o capitalismo era um sistema, em que as crises eram naturais. Marx descreveu o processo de crises: os empresários conseguiam pagar baixos salários, porque havia um “exército” de pessoas à procura de emprego. Com o aumento da produção, mais pessoas ficavam empregadas e os salários subiram, já que o número de desempregados diminuía. Porém, os empresários aumentavam o número de máquinas na produção para diminuir a mão-de-obra. Os salários voltavam a baixar. Porém, com salários baixos e muitos desempregados, o consumo se restringia. Uma menor demanda por bens de consumo, os empresários desse setor paravam de comprar bens de capital, fazendo com que a produção desses bens diminuísse e trabalhadores fossem despedidos. O desemprego aumentava ainda mais e a demanda por bens de consumo continuava a cair. A crise estaria instalada.
                O conjunto de todos esses fatores: concentração de renda e a miséria do proletariado, além das crises constantes levariam a uma revolução socialista, em que o capitalismo seria substituído por um sistema mais justo e menos explorador. É por isso que Marx foi um crítico radical do capitalismo. Na época em que foi escrito o livro de Hunt e Sherman, muitos movimentos, como os ambientalistas, as feministas e os que lutavam pelos direitos civis também criticavam violentamente o capitalismo por gerar racismo, o imperialismo e desejavam aboli-lo.
                O imperialismo mostrou a face desumana do capitalismo. Segundo Rosa Luxemburgo, os lucros auferidos pelos capitalistas, grande parte eram destinados a gastar com bens de capital para a produção futura. Porém, a demanda de bens para o consumo era insuficiente. Os lucros seriam menores e os gastos para aumentar a produção também. Dessa forma, somente expropriando riqueza de outros lugares poderia permitir a acumulação de capital e permitir a produção. Povos foram massacrados para permitir que o capitalismo europeu e, recentemente, americano funcionasse.

OS CRÍTICOS MODERADOS
                Os moderados viam os problemas do capitalismo, mas não desejavam abolir a propriedade privada ou acabar com o capitalismo, apenas queriam reformá-lo. O economista John Maynard Keynes foi um desses críticos e ao mesmo tempo, queria reformá-lo, apenas. A sua ideia era contrário ao capitalismo desenfreado sem intervenções governamentais.
                A sua ideia econômica se baseava em que o valor dos bens produzidos era igual às rendas obtidas. Portanto, as rendas seriam utilizadas para comprar tais bens. Novas rendas seriam utilizadas para comprar outros produtos e assim a economia funcionaria. Porém, nem todos gastam suas rendas. Muitos a poupam. Agora não há mais coordenação, há um vazio a ser preenchido entre o valor dos bens e as rendas. Porém, muitas pessoas contraem empréstimos e os utilizam realizar gastos. Para que se tenha prosperidade, os impostos deveriam ser utilizados para comprar bens e serviços, os empresários deveriam tomar emprestado dinheiro para comprar realizar investimentos para contrabalancear a poupança e as exportações deveriam contrabalancear as importações.
                Porém esse processo nem sempre é durável. Com o aumento da produtividade e da renda, a poupança aumenta. Ou seja, a cada rodada de prosperidade a poupança aumenta e os investimentos e os gastos dos empresários precisariam, mas não conseguem crescer na mesma proporção das rendas. Quando chega esse momento haverá uma crise. As empresas começam a ter prejuízos, pois a demanda por seus bens está decrescendo, ou seja, elas produzem mais do que os consumidores compram. Elas perdem os incentivos para produzir, fazendo com que a renda e os trabalhadores sejam demitidos. A crise se instala.
                Para resolvê-la, Keynes afirmava que o Estado deveria intervir através do recolhimento das poupanças, seja através de empréstimos ou impostos e deveria gastar em projetos que não aumentassem a capacidade produtiva da economia, mas que não impedissem as oportunidades de investimentos futuros, como as construções de pirâmides no Egito antigo ou em projetos de utilidade social, como escolas e hospitais, ou ainda em gastos militares.  
                O livro de Hunt e Sherman mostram como durante o processo histórico, os sistemas econômicos, mas principalmente o seu ator principal, o capitalismo, necessitavam de ideologias que o justificassem. O paternalismo cristão justificava a sua ordem social. O liberalismo justificava  capitalismo. Porém, sempre houve os críticos: o liberalismo criticava o paternalismo cristão e hoje o capitalismo é criticado por suas falhas. Alguns como Marx procuraram mudá-lo, outros como Keynes, apenas clamava por uma maior participação do Estado para evitar as crises. 

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