quarta-feira, 6 de março de 2013

O que os modelos matemáticos não explicam

                 Um dos grandes tratados de economia, escrito pelo austríaco Ludwig von Mises, tem como título “Ação Humana.” Nele, o professor Mises descreve como a economia é uma das ciências que derivam da praxeologia, ou seja, a ciência que estuda a ação humana. Mas, hoje, a economia tornou-se quase incompreensível e abstrata: cada vez mais o modelos matemáticos, conceitos de concorrência perfeita e equilíbrio geral pretendem transformá la em uma ciência natural e eliminar cada vez mais a importância da ação humana. Não sem coincidência, a economia é apelidada de ciência “triste”, devido a sua exaustiva incompreensão.
                A ideia da racionalidade é central: os indivíduos sempre agem de maneira racional, sem que questões como a ética e os costumes influenciem em suas ações. É uma visão mecanista que acabou criando o “homem econômico”, egoísta  e racional. O mercado também ganha ares científicos: é um mecanismo perfeito que gera o equilíbrio e a prosperidade do coletivo. Ou ainda, a regra defendida por Adam Smith: ao buscar os interesses egoístas, de maneira racional, o açougueiro sempre geraria o bem-estar coletivo. Tanto os agentes econômicos e o funcionamento dos mercados perderam o caráter subjetivista e social. Tornaram-se elementos científicos, como aqueles estudados pela física e pela matemática.
                A ação humana pregada por Mises perdeu espaço para os modelos matemáticos. Os economistas estão confundindo beleza com verdade, como diria Paul Krugman. Todo esse arcabouço “científico”é maravilhoso, mas não serve para explicar a economia como ela é de fato. Os indivíduos podem ser racionais no mundo abstrato, mas no real eles agem muitas vezes por impulsos. A classe capitalista, por exemplo, age com o único propósito de acumular riquezas. Nesse empreendimento, nem sempre se utilizam da razão, muito menos, em vários casos, suas ações egoístas geram bem-estar para a sociedade.
                O indivíduo racional deixa de existir na figura do capitalista. As decisões econômicas estão concentrados em suas mãos. Enquanto houver otimismo, ele continuará investindo mais e mais para acumular riquezas. Porém, qualquer medo, qualquer expectativa ruim do futuro, ele deixará de investir, o que poderá prejudicar toda sociedade. Nesse quesito são dois pontos: 1. suas ações egoístas de deixar de investir podem causar danos à sociedade, e 2.o medo do futuro influência muito mais do que a razão. O “homem econômico”não existe na prática. Para os modelos, não existe incerteza, pois é possível prever o futuro utilizando os dados do passado. Esquecem-se que o futuro é sempre incerto e nunca previsível, portanto mais do que razão, muitas vezes o medo influencia nas decisões econômicas.
O debate sobre o intervencionismo estatal é um dos pontos centrais da economia. Para os modelos matemáticos, o Estado não deve intervir, pois o mercado é perfeito, já que os indivíduos são racionais, suas ações individuais levam sempre ao bem-estar coletivo. Ou seja, o mercado é uma força capaz de se auto-regular, pois as forças tendem sempre ao equilíbrio. A economia se despolitizou nesse sentido.
                Mas essa discussão levanta questões mais relevantes do que modelos propõem: envolve debates  sobre moralidade e sobre a essência da sociedade. Deveria o governo tributar pesadamente e com isso ajudar os mais pobres? Deveria o Estado regulamentar o sistema financeiro para evitar crises econômica ou nestas, deveriam haver pacotes para salvar empresas e com isso impedir que o desemprego se agrave? Essas são questões que os modelos matemáticos não resolvem.
                O papel do Estado na economia envolve um debate sobre individualismo. O indivíduo deve ser responsável pelos outros? Ou seja, uma pessoa qualquer que more no Estado de São Paulo deveria pagar maiores impostos para que o governo financie o seguro-desemprego de um cidadão que mora em Sergipe, por exemplo? Tanto o sim como o não envolvem a questão: o indivíduo tem algum dever moral com a sociedade? Novamente, os modelos matemáticos não podem resolver.
                Mesmo aqueles defensores do mercado irrestrito, como os economistas vinculados à tradição da Escola Austríaca, afirmam que o mercado é um processo social que decorre no tempo. Segundo esses economistas, o próprio mercado é imperfeito e por mais que caminhe para o equilíbrio, não o alcançará (Kirzner), ou mais, nem sequer caminho para o equilíbrio (Lanchmann). Mas acreditam que mesmo o mercado imperfeito será mais eficiente que as políticas estatais, porque além de questões econômicas, o Estado intervencionista tende a expandir o seu poder e eliminar as liberdades. A falta de incentivos para funcionários públicos e a corrupção também são criticados pelos austríacos. Portanto, para estes tanto o mercado e o Estado são elementos sociais não-perfeitos e sujeitos à incertezas, ao poder, às questões políticas e podem ser influenciados por demandas populares, como no caso do Estado. Enfim, em questões que os modelos matemáticos não podem esclarecer nem analisar.
                A economia não é uma ciência matemática e jamais sê-lo-á, pois o “homem econômico”não existe. Muito bonito na teoria, mas sem qualquer relevância para a prática. A economia precisa voltar a levar em consideração questões morais e ética se quiser deixar de ser uma ciência triste e tornar-se mais compreensível e eficiente. Nesses pontos, modelos matemática não podem explicar nada. É preciso deixar de confundir beleza com verdade.

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