segunda-feira, 18 de março de 2013

As ambiguidades do século XX


    Resenha de "Era dos extremos" de Eric Hobsbawn
            O século XX foi o mais ambíguo dos séculos. De um lado, foi em qual mais morreram pessoas em decorrência da guerra. Por outro, a tecnologia permitiu aos homens viveram mais. Mas quais foram os fatos e fatores que fizeram desse século um enigma? Em “Era dos extremos”, o historiador Eric Hobsbawn divide o Breve Século XX, que durou, historicamente, de 1914, com o início da Primeira Guerra até 1991, quando a União Soviética caiu, em três partes: a Era da Catástrofe (1914 a 1945), a Era de Ouro (1945 a 1973) e o Desmoronamento (1973 a 1991).
            As duas guerras mundiais foram as primeiras a seres mundiais, já que envolveram todos os países do globo de alguma forma, sejam as colônias europeias  a atuação do Japão e EUA, e também foram totais, pois todos os recursos e esforços eram destinados à guerra. Isso se deveu ao fato de que essas guerras deveriam ser vencidas a qualquer custo, tanto pela Alemanha e seu desejo de conquistar o globo, quanto pelos rivais de evitar. Mas a crueldade foi a marca de ambas: o confronto havia se tornado impessoal, a tecnologia permitiu que “tornava matar e estropiar uma consequência de apertar um botão ou virar uma alavanca.” Os homens tornaram-se estatísticas e suas mortes eram justificadas como necessidades operacionais.
            Outro grande marco, talvez o mais importante do breve século, foi a Revolução Russa. Iniciada em 1917, esta teve enormes importâncias para todo o desenrolar dos anos, seja de maneira direta como através da Guerra Fria ou incentivando revoltas e alimentando sonhos revolucionários, após a Primeira Guerra, ou indiretamente incentivando grupos fascistas de extrema direita, em resposta ao temor ocidental do comunismo, e fazendo com que o próprio capitalismo se reinventasse.
            A Rússia foi um enigma para os pensadores marxistas: como um país atrasado e agrária poderia se tornar comunista e dar certo? A Rússia seria apenas o primeiro passo para a revolução comunista mundial, que teria como centro Berlim e não Moscou. A história mostrou que durante uma geração, a União Soviética estaria sozinha em seu empreendimento.
            Após o período da Nova Política Econômica adotada por Lênin, em que havia resquícios de mercado, como a liberalização do comércio para os camponeses, e após a morte do líder da revolução, ao assumir o comando do país, Stálin iniciou uma industrialização pesada, que só poderia ser feita através de um amplo controle e planejado pelo Estado, que se confundia com o Partido Comunista. O partido de “vanguarda” tornava forte e sob a era de Stálin, todo esse poder foi utilizado para expurgar pessoas e implementar o terror na sociedade soviética, a qual, mesmo após a morte do ditador, ainda, mesmo sem o terror, continuaria sendo uma sociedade autoritária.
            A Grande Depressão, a maior crise de todos os tempos, gerou massas de desempregos e colocou o liberalismo econômica desenfreado em descrença. Os valores liberais, como a democracia, também decaíram. No entre-guerras  poucas democracias estavam bem estabelecidas para gerar o consenso, tão necessária a ela. E principalmente, após a Primeira Guerra, muitos países convinham com muitas etnias diferentes, o que gerava constantes atritos. Sem contar, que após a depressão, as classes e seus representantes políticos não podiam mais receber tantos benefícios por parte dos governos como recebiam até então. Mais uma vez, isso gerava atritos.
            Aliado à ruína do liberalismo, o fascismo e  o nazismo conseguiram apoio daqueles que temiam o comunismo, daqueles desempregados que viam no programa militar uma forma de melhorar economicamente, além de conquistar aqueles que viam na guerra a glória do heroísmo, como muitos após da Primeira Guerra viam que haviam feito algo heroíco e épico. Mas, felizmente, o nazismo foi vencido graças à aliança entre os países ocidentais e a União Soviética comunista. A Segunda Guerra foi entre o Iluminismo e os ideias de liberdade e igualdade contra forças reacionárias do nazismo. Essa combinação contra o inimigo comum fez com que os países ocidentais deixassem de lado o extremo capitalismo e dessem uma virada mais à esquerda.
            A Era de Ouro se inicia em 1945 e após o fim da guerra, outra se iniciou, mas esta acabou sendo fria, pois se ocorresse seria fatal. As duas superpotências: Estado Unidos e União Soviética polarizaram o mundo entre: capitalistas e comunistas. O medo de ambos os lados de um avanço rumo ao domínio mundial gerou uma corrida armamentista, que casou pânico no mundo. Se uma guerra explodisse, o mundo acabaria.
            Mas como demonstra Hobsbawn, a grande paranoia dessa conspiração de domínio foi gerada nos Estado Unidos, já que a Europa por mais que estivesse aliada do capitalismo, não deseja nenhum tipo de guerra, assim como a União Soviética também não queria fazer um avanço contra o ocidente, apenas nos Estados Unidos os políticos utilizavam a retórica de domínio global ou mesmo de um avanço comunista para ganhar o apelo das massas.
            E ainda, após sofrer inúmeras derrotas, como no Vietnã, os Estados Unidos havim sido humilhado e muito de sua política externa durante o período foi, não apenas contra o comunismo, para tentar reverter as humilhações. Mais ainda, na era Reagan a luta contra o Império do Mal não era somente contra os soviéticos, mas contra qualquer resquício de estado intervencionista, como o deixado por Roosvelt.
            Apesar do perigo da destruição mundial, a Era de Ouro viu o florescer da economia. Os Estado de bem-estar social, que era uma mistura de planejamento econômico com liberalismo, permitiu ao mundo crescer de maneira impressionante. A tecnologia gerava produtos cada vez mais incríveis, e o desemprego não era mais um problema. A economia foi tornando-se cada vez mais tecnológica e transnacionais. As empresas começaram a se expandir globalmente.
            Houve uma revolução social, principalmente nas cidades. Durante milênios a população urbana sempre fora maior do que a urbana. Porém com a mecanização do campo e as oportunidades na cidade, a população urbana finalmente superou a rural, o que gerou mais mão-de-obra para a indústria. Mais importante também, foi que as pessoas começaram a ter acesso a educação, principalmente universitária. O que impulsionou a revolução cultural.
            Esta era uma resposta do jovens que queriam mudar a sociedade, enquanto que os mais velhos viam a Era de Ouro como o ápice em comparação com tempos passados de guerras e depressão. Sem essa vivência comparativa, os jovens queriam mais do que crescimento econômico, queriam mudar a sociedade. Por esse motivo surgiram movimentos contra-cultura, do feminismo, do movimento homossexual que desejavam mudar o mundo e mais direitos e emancipação social. Foi também o auge do individualismo. A libertação social e individual fez com que os laços coletivos que uniam as pessoas fosse desaparecendo. Agora não havia mais regras morais e sociais que impedissem o indivíduo de realizar seus desejos. A família tradicional foi acabando, a partir desse momento. As classes operárias já não tinham aquele laço que os unia como festas, os sindicatos, que mais do que reuniões eram espaço para socializar com outros operários. Tudo isso foi substituído pela televisão e o rádio.
            Na Terceiro Mundo, a revolução cubana inspirou novos grupos guerrilheiros a lutarem por melhorias sociais e contra o imperialismo  O mundo da Guerra Fria, por mais estabilizado que tivesse, aumentou o número de armas à disposição, principalmente desses grupos. Seja na África ou na América, esses grupos guerrilheiros foram importantes para entender as políticas dos governos militares, como o do Brasil, que através do autoritarismo diziam estar lutando contra os terroristas.
            Mas a Era de Ouro estava acabando. Novas revoluções guerrilheiras surgiram, mas a principal revolução não fora como as anteriores: como um viés esquerdista, mas pelo contrário, visava substituir um governo ocidental por um teocrático e islâmico. Esta aconteceu no Irã em 1979. Pelo jeito a Oriente Médio começava a ser o centro das atenção. Os países produtores de petróleo formaram um cartel e subiram o preço do ouro negro, gerando uma enorme crise.
            A crise do petróleo e suas consequências não foram tão fortes como o que começara a ocorrer após o fim da Era de Ouro: o desemprego estrutural. Cada vez mais a máquina substituía o homem na produção. Massas inteiras começavam a ficar desempregadas por um longo período de tempo. Os que saiam do campos não encontravam empregos. A crise do desemprego já não era mais período, mas era uma realidade duradoura.
            E por fim, a União Soviética ruiu. Ao entrar no mercado mundial, toda a economia soviética que era voltada para o mercado interna e zelava pelo isolacionismo começa a ruir. A reformas feitas ao liberalizar a economia e democratizar a política, os plano econômicos, tão fundamentais para ela e o liderança, além do monopólio, do Partido Comunista fizeram com que a União Soviética ruísse e o Breve Século XX também ruiu.
            Entender a história é fundamental. O livro de Hobsbawn dá uma grande dimensão a essas ambiguidades do século XX para que seja possível entendê-las. Que será do século XXI? Será breve como o seu antecessor? Algumas das respostas podem estar no próprio século XX.

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